“Bomba ambiental” na Galiza: fábrica de celulose é contestada por 52 ONG ambientalistas

O polémico projecto que está a ser dinamizado pela empresa portuguesa Altri “não pode ser considerado ambientalmente sustentável”, reclamam ONG dos cinco continentes. A contestação continua.

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A nova fábrica da Altri, se for construída, utilizará cerca de 1200 milhões de toneladas de madeira de eucalipto Rui Gaudêncio
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A contestação ao projecto de instalação na região espanhola da Galiza de uma fábrica de celulose e de lyocell, que utilizará cerca de 1200 milhões de toneladas de madeira de eucalipto, saiu de portas e mobilizou 52 organizações não-governamentais (ONG) e grupos ambientalistas dos cinco continentes.

O gesto colectivo envolveu, para já, o envio de cartas aos Ministérios do Ambiente e da Indústria da Junta de Galiza, bem como aos Ministérios da Transição Ecológica e da Indústria, solicitando a “paragem definitiva” do projecto da fábrica de celulose e fibras de eucalipto proposto pela Altri Participaciones y Trading, SL /Greenfiber para a localidade de Palas de Rei, na região de Ulloa, Lugo.

E que projecto está previsto para a região galega?

A nova fábrica da Altri, se for construída, utilizará cerca de 1200 milhões de toneladas de madeira de eucalipto e terá capacidade final de produção anual de 400 mil toneladas de pasta de celulose e 200 mil toneladas de lyocell, além de outros subprodutos como biomassa. Prevê-se que as emissões para a atmosfera resultantes da sua actividade serão constituídas por dióxido de carbono, óxido de azoto, monóxido de carbono e outras partículas poluentes. O volume da carga poluente exige a instalação de uma chaminé de 75 metros de altura

A empresa portuguesa quer produzir na Galiza 400 mil toneladas de celulose solúvel e 200 mil toneladas de fibra têxtil vegetal. O investimento com dinheiros públicos pode ascender aos 900 milhões de euros.

Fonte oficial da Greenfiber, SL adiantou ao PÚBLICO, em Março passado, que os últimos estudos e estimativas efectuados para a elaboração do projecto indicam que o investimento a aplicar “será superior a 850 milhões e espera um apoio do Governo central na ordem dos 25% do investimento total”, frisando que a empresa “só avança” se o financiamento com fundos europeus for garantido.

A nova unidade irá ocupar uma área com 366 hectares e está projectada para transformar até 1,2 milhões de metros cúbicos de madeira de eucalipto das espécies Eucalyptus globulus e Eucalyptus niten.

Manoel Santos, zoólogo e coordenador da Greenpeace na Galiza, relatou ao PÚBLICO que a Altri solicitou licença para captar 46 milhões de litros de água por dia da albufeira de Portodemouros, o que equivale ao consumo de toda a província de Lugo, a terceira da Galiza em número de habitantes (324.267 em 2023). Também solicitou licença para descarregar 30 milhões de litros de água por dia, após a sua utilização no processo de produção de pasta de celulose”, alerta o dirigente da Greenpeace.

As 52 organizações que fazem parte da rede ambiental internacional Paper Network consideram que o investimento a aplicar neste tipo de empreendimento “não pode ser considerado ambientalmente sustentável”.

ONG pedem chumbo do projecto

Nas cartas endereçadas às entidades dos governos regional e central, as organizações signatárias “desaconselham a implementação do projecto da Altri” e pedem que o mesmo seja rejeitado. Alegam que os impactos da produção de celulose teriam profundas consequências negativas “no meio natural em que se vai localizar a fábrica, na biodiversidade de espaços de grande valor, em espécies vulneráveis e em perigo de extinção, no património cultural, nos sectores primários locais, nos recursos de água e na saúde das populações”.

As ONG chamam ainda a atenção para o processo de ‘eucaliptização’ que tem sofrido a Galiza, região que “está próxima do Centro e Norte de Portugal”, fenómeno que consideram “invulgar na Europa”.

No passado dia 25 de Março, a Federação das Indústrias CCOO da Galiza divulgou um comunicado dizendo acreditar que o projecto da Altri “vai gerar muito emprego na região” e “vai aumentar os preços da madeira” pagos aos “100 mil proprietários florestais num território que já conta com 650 mil hectares de eucalipto plantados”.

A contestação a este projecto não começou agora. Ainda em Março já se dizia que o conjunto de circunstâncias à volta da construção desta unidade fabril acabará por equivaler a “uma bomba ambiental no coração da Galiza que Portugal não quer”. A acusação foi lançada por Olalla Rodil, deputada do Bloco Nacionalista Galego (BNG), o maior partido da oposição no parlamento da Galiza, durante uma conferência de imprensa realizada no passado dia 21 de Março, para denunciar a exigência da empresa portuguesa de que o projecto seja suportado em 25% com financiamento público do Estado espanhol.

Agora, as ONG reforçam que consideram que existe uma saturação das indústrias de celulose na região que justifica o “fim do processo de expansão da monocultura de eucalipto”.

Com efeito, a dimensão da área cultivada com eucaliptos na região galega suscita dúvidas às organizações ambientalistas, que questionam “a eficácia das actuais moratórias sobre as novas plantações de eucalipto que existem na Galiza e Portugal”, frisando que o objectivo deveria estar centrado na limitação de novas culturas desta espécie exótica. “Deveríamos ir no sentido oposto: reduzir a superfície de eucalipto e, tal como exige o Plano Florestal Galego actualmente em vigor, avançar para redução global da produção e consumo de papel”, propondo que a tendência seja “o fabrico de fibras de nova geração e não de madeira”.

Em Novembro de 2021, várias organizações ambientalistas (Acréscimo, Climáximo, Fapas, Geota, LPN, Quercus e Zero) endereçaram uma carta aberta ao secretário de Estado da Conservação da Natureza, das Florestas e do Ordenamento do Território, criticando a continuada expansão do eucalipto em Portugal.

Sublinharam então: “Embora a Estratégia Nacional para as Florestas (ENF) estabeleça para 2030 uma meta máxima de 812 mil hectares de plantações de eucalipto no território continental português, o 6.º Inventário Florestal Nacional (IFN), que recolheu imagens no levantamento realizado em 2015, apontava já para uma área com cerca de 845 mil hectares. Ou seja, “superior à meta da ENF em cerca de 33 mil hectares.” Portugal já é o país com maior área plantada de eucalipto na Europa e ocupa o 5.º lugar a nível mundial.

Nas cartas endereçadas esta semana ao Governo Regional da Galiza e ao Governo central de Espanha, onde participam as organizações portuguesas Íris, Quercus e Zero, salienta-se outra consequência da instalação do projecto: “Irá agravar ainda mais qualidade da água do rio Ulla”, o segundo maior curso de água que atravessa esta comunidade autónoma espanhola, depois do rio Minho.