Um mês depois da DANA, depois de a lama se ter transformado em pó, é difícil dizer que as cidades arrasadas pelas cheias em Espanha regressaram à normalidade. Para milhares de famílias, os dias rotineiros acabaram a 29 de Outubro: mais de 2100 casas ficaram destruídas ou sem condições de segurança e salubridade, 16 mil crianças e jovens passaram as últimas semanas sem aulas, empresas e agricultores sofreram prejuízos com os quais nunca pensariam contar. Um mês depois, Espanha continua também a fazer o luto de 222 vítimas mortais.
Um dos grandes desafios das autoridades nacionais e regionais espanholas é agora encontrar habitação para todos os que ficaram desalojados. Só na Comunidade Valenciana cerca de 490 casas foram alvo de ordens de evacuação devido a danos estruturais e outras 1600 tornaram-se espaços insalubres e inabitáveis, em números que podem continuar a aumentar, à medida que são feitas mais avaliações de estragos.
Do lado do executivo valenciano existem 215 habitações sociais disponíveis, mas a maioria fica no Bairro de La Torre, um dos mais afectados pelas cheias e onde ainda decorrem trabalhos de limpeza e restauro da rede eléctrica. Segundo o El País, até 24 de Novembro só tinham sido atribuídas nove destas 215 casas a famílias desalojadas pela DANA (sigla espanhola para “depressão isolada de altos níveis”, também designada “gota fria”).
Na verdade, os dois edifícios de habitação social em La Torre, de 15 e 21 andares, num total de 184 apartamentos vazios, também foram atingidos pelas cheias. Por esta altura, ainda não foi reposta a electricidade nestas casas e as caves dos prédios continuam inundadas — à semelhança de muitos outros pisos subterrâneos em Valência, que assim permanecem, enquanto a ajuda do Governo não chega. Mas mesmo que todos os 215 fogos fossem atribuídos, faltaria ao Estado dar uma solução a outras 275 famílias que foram retiradas das suas casas.
No total, a Comunidade Valenciana recebeu mais de 25 mil pedidos de ajuda devido à perda de bens e património e contabilizou pelo menos 48 mil casas afectadas pela DANA (e neste número apenas se incluem habitações cobertas por seguro), distribuídas pelos 75 municípios atingidos no Sul de Valência. Ao Governo terão chegado mais de 270 mil pedidos de ajuda no último mês, incluindo 70 mil referentes a danos em habitações e 128 mil a danos em veículos.
Segundo a última actualização publicada pelo Palácio de La Moncloa sobre a DANA, nesta quinta-feira, 28 de Novembro, há a lamentar 230 vítimas mortais (oito destas mortes não foram directamente causadas pelas cheias): 222 em Valência, sete em Castela-La Mancha e uma na Andaluzia. Quatro cidadãos continuam desaparecidos.
Em resposta à tempestade, foram mobilizados 17 mil operacionais das forças armadas e de segurança, apoiados por quase 4000 viaturas e mais de uma centena de aeronaves. “Continuam os esforços para tratar das lamas, limpar o sistema de esgotos, recolher o entulho e reunir os carros perto de centros urbanos. Reforçámos acções de limpeza das estradas”, lê-se no mais recente comunicado do Governo, que já anunciou mais de 16,6 mil milhões de euros em apoios para os que foram afectados pelas chuvas torrenciais de final de Outubro.
Escolas fechadas, comboios parados e um sector agrícola arrasado
Segundo uma investigação do El País, quatro semanas após a tempestade mais de 16 mil alunos continuavam sem aulas. Contactado pelo diário espanhol, o Ministério da Educação não adiantou detalhes sobre estes números. Além de escolas, as cheias danificaram também as instalações de 57 centros de saúde, entre muitos outros serviços públicos.
Ainda que todos os centros de saúde atingidos tenham reaberto portas, dez precisam de obras de requalificação, com um custo estimado em 108 milhões de euros, e 17 estão a responder exclusivamente a urgências, de acordo com um porta-voz do Ministério da Saúde. Nenhum hospital da região de Valência ficou danificado pelas chuvas, exceptuando falhas temporárias nos serviços informáticos.
As cheias e inundações trouxeram também o medo de propagação de doenças infecciosas, mas, por enquanto, parece ser um falso alarme. A maioria das ocorrências médicas registadas no último mês foram ferimentos ligeiros, provocados por quedas ou cortes durante os trabalhos de limpeza.
Foram confirmados três casos de leptospirose, doença infecciosa transmitida pelo contacto com água ou solo contaminados pela bactéria Leptospira; e três casos de legionella. Apesar do aumento do número de mosquitos junto a águas paradas, não há registo de surtos de doenças virais transmitidas por eles.
As autoridades continuam a recomendar ingerir apenas água engarrafada e usar botas, luvas e máscaras (principalmente para evitar a inalação de substâncias tóxicas) durante os trabalhos de limpeza e reconstrução.
Quanto às infra-estruturas, em Paiporta, por exemplo, na Comunidade Valenciana, os caminhos-de-ferro que atravessavam a cidade foram destruídos e a força das chuvas torrenciais contra a ponte sobre o barranco de Chiva, por onde passava a linha ferroviária, obrigou à sua demolição. Durante pelo menos seis meses, o comboio não deverá voltar a passar em Paiporta.
O executivo espanhol já prometeu investir 50 milhões de euros na recuperação das redes de transporte público nas cidades mais afectadas, mas esse será perto de metade do valor total necessário. Como solução provisória, a Comunidade Valenciana inaugurou 27 novas carreiras de autocarros, uma alternativa que poderá também revelar-se insuficiente face às necessidades de centenas de milhares de habitantes, tendo muitos perdido os seus carros.
Na economia, a Confederação Empresarial da Comunidade Valenciana (CEV) aponta para um prejuízo de mais de 9,3 mil milhões de euros para as empresas da região. “Pedimos ao Governo um Plano Marshall, temos de começar a reconstrução agora”, declara Salvador Navarro, presidente da CEV, citado pelo El País.
A indústria mais afectada terá sido a agro-alimentar, com mais de 70 mil hectares inundados nas regiões de Valência, Andaluzia e Castela-La Mancha e prejuízos que podem ascender a 3350 milhões de euros, seguida pelo sector metalúrgico. O Governo anunciou mais de 444 milhões de euros para o sector agrícola — ajuda que cobre pouco mais de 13% do total estimado de prejuízos.
Na agricultura, além das culturas arrasadas pelas chuvas, há que contar com os equipamentos de trabalho, sistemas de rega e infra-estruturas destruídas, as colheitas adiadas e os novos obstáculos à distribuição, impostos pelos danos nas vias rodoviárias e ferroviárias. E se algumas culturas podem ser recuperadas nos próximos meses, quem explorava plantações de árvores de fruto, por exemplo, terá de esperar anos para as reaver.
“Os agricultores não perderam o seu negócio durante alguns meses, perderam o rendimento de um ano inteiro”, alertou Juan Valero de Palma, presidente da Federação de Regantes de Espanha (Fenacore), esta semana, citado pelo El Mundo.