A um grande tinto de Península de Setúbal fica-lhe bem a casta castelão

No fim de uma prova de topos de gama, ficamos com a ideia de que os produtores de Península de Setúbal deveriam colar slogans em T-shirts sobre a beleza da casta castelão.

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Entre os 14 topos de gama em prova, evidenciou-se a beleza da casta tinta castelão.
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É uma das castas mais plantadas em Portugal, mas muito raramente se ouve um consumidor dizer que “hoje o que me apetecia era mesmo um tinto de castelão”, ou, melhor ainda, “hoje o que me apetecia era um vinho de castelão dos terrenos de areia da Península de Setúbal”.

Haverá diferentes razões para isso, é certo, mas a principal tem que ver com as modas – também afectam o negócio do vinho – que ditaram que os vinhos de cor aberta e notas vegetais e fumadas não eram, em linguagem coloquial, fixes. Fixes, fixes eram os vinhos carregados de cor, com frutos pretos aos saltos e uma textura de boca de modo a deixar-nos os dentes da cor do tinto. Isso sim, eram vinhos. Vinhos de estalo. Vinhos com raça.

Para felicidade dos que gostam de vinhos com identidade (venha ela da casta ou do território), as modas são sempre passageiras, pelo que, aos poucos, são os próprios produtores que assumem que, se calhar, vale a pena voltar a dar destaque ao castelão. E, mais importante, vale a pena a deixar o castelão ser castelão e não brincar com o castelão como se fosse touriga nacional ou syrah.

É que, nas últimas décadas, muitos produtores obrigaram o castelão a dar tintos para os quais não está talhado, quer por via das extracções prolongadas, quer por via do excesso de madeira de estágio. Um castelão como deve ser chega-nos com cor mais aberta, com notas de frutos vermelhos, notas fumadas ou aromas de bosque. Na boca sente-se esta família de aromas, um corpo suave, aveludado, mas ainda assim expressivo por via dos taninos e da acidez.

E o que é engraçado é que, com treino, conseguimos perceber com alguma facilidade se estamos perante um castelão ou não, desde que, claro está, o estágio demasiado prolongado em madeira (ou curto, mas em madeira nova com tostas fortes) não esconda a casta e não a transforme num vinho em que a primeira sensação aromática é “carvalho + baunilha + chocolate” e, só depois, o vinho em si.

Ora, apesar de a casta castelão estar espalhada por quase todo o país (com maior ênfase da região do Tejo para sul), é na Península de Setúbal que encontramos grandes tintos de castelão, em parte por causa das vinhas velhas que ainda existem na região, em parte por causa dos terrenos de areia.

Estes solos de areia e vinhas de sequeiro são uma espécie de solar perfeito para esta casta e isto vê-se facilmente na própria vinha. Nós que gostamos de circular pela região na altura das vindimas observamos um fenómeno intrigante: mesmo em anos de seca, os bagos dos cachos da casta castelão estão sempre luzidios, brilhantes e gordos. Claro que uma das razões para isso é a disponibilidade de água no subsolo a um metro de profundidade (a região é atravessada por um vasto lençol freático), mas, ainda assim, isso deveria ter um efeito comum em todas as castas. E tal não acontece porque, lá está, as vinhas velhas nesta região são maioritariamente de castelão e não de touriga nacional ou syrah. Faz diferença.

É por isso que entendemos que os produtores da região da Península de Setúbal devem não só ter orgulho nas suas vinhas de castelão como devem mesmo registar em T-shirts frases que testemunhem esse mesmo orgulho. Deviam fazer aquilo que os seus colegas da Bairrada fizeram com a baga e aquilo que os seus colegas do Tejo estão a fazer com a fernão pires e, também, com o próprio castelão.

Para que os consumidores possam tomar decisões de compra de vinhos de castelão da Península de Setúbal convém que sintam que os produtores da região têm paixão pelos seus tintos. De resto, com a casta castelão um produtor tem histórias para contar, já com uma touriga nacional ou uma touriga francesa, não nos parece. E, com uma boa história, sempre se pode pedir mais uns euros por garrafa. O que dá sempre jeito nos tempos que correm.

Entre os 14 topos de gama da região da Península de Setúbal em prova, evidenciou-se a beleza da casta tinta castelão. Miguel Madeira
Entre os 14 topos de gama da região da Península de Setúbal em prova, evidenciou-se a beleza da casta tinta castelão. Miguel Madeira
Entre os 14 topos de gama da região da Península de Setúbal em prova, evidenciou-se a beleza da casta tinta castelão. Miguel Madeira
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Entre os 14 topos de gama da região da Península de Setúbal em prova, evidenciou-se a beleza da casta tinta castelão. Miguel Madeira

Este artigo foi publicado no n.º 8 da revista Solo.

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