Papel de parede eléctrico: uma solução inovadora para aquecer a casa. Mas resulta?

A caminho do Inverno, os problemas de aquecimento ressurgem nas casas de milhares de famílias. O inovador papel eléctrico de parede promete uma solução económica e eficiente. Mas o que é isto, afinal?

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Portugal registou a percentagem mais elevada da UE em pobreza energética em 2023 Manuel Roberto
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Novas tecnologias ecológicas têm surgido para combater dois “coelhos de uma cajadada só”: o frio nas casas e as emissões dos gases com efeito de estufa resultantes do aquecimento a gás. Na Escócia, testa-se um equipamento-piloto chamado “papel de parede eléctrico” que promete uma solução acessível e ecológica.

Pelas imagens, parece um tecto normal, acabado de pintar de branco. O papel de parede eléctrico, a ser testado na Grã-Bretanha, mais especificamente na Escócia e em algumas cidades inglesas, promete ser uma solução ecológica para combater o frio. Promete rapidez, redução da humidade e aquecimento em menos de dois minutos. Silencioso e praticamente invisível, controlado a partir do seu telemóvel. Até parece demasiado bom para ser verdade – e talvez seja mesmo.

Mas em que é que consiste exactamente esta tecnologia?

Tentativa para aquecer uma população na Escócia

As casas históricas de Glasgow, na Escócia, são das mais antigas da Europa – e das piores em matéria de isolamento. Em média, uma casa escocesa perde calor três vezes mais depressa do que noutros países europeus. Aquecer estas casas através de equipamentos a gás tem atenuado o problema para muitas famílias, mas contribuindo para um outro maior: o aquecimento dos edifícios na Escócia e na Grã-Bretanha, de modo geral, é o maior contribuinte para as emissões de gases com efeitos de estufa (36%), mais especificamente do dióxido de carbono.

Em Dezembro de 2023, o governo escocês aprovou o New Building Heat Standard, um pacote de medidas que, a partir de Abril deste ano, exigia que as novas construções e habitações escocesas não pudessem incluir sistemas de aquecimento com emissões directas (ou poluentes), como os aquecedores a gás e as caldeiras. Estes novos edifícios tinham de optar por alternativas mais ecológicas, tais como as bombas e as redes de calor.

Com o objectivo de oferecer novas soluções ecológicas para o aquecimento das casas mais antigas, construídas anteriormente a 1919, a Universidade de Glasgow, a Universidade de Strathclyde, a Associação da Habitação do Oeste da Escócia e a Câmara Municipal de Glasgow – com financiamento da Scotland Beyond Net Zero, uma associação de universidades direccionada para a pesquisa científica em matérias de sustentabilidade – iniciaram um teste em 12 prédios habitacionais com papel de parede eléctrico. O intuito é avaliar a sua eficácia como fonte de aquecimento limpa e verde, para além de descarbonizar as casas e reduzir as facturas da energia.

O que é o papel de parede eléctrico?

Ahmad Taha, professor da Universidade de Glasgow e co-autor do estudo, explicou ao PÚBLICO por email que esta tecnologia consiste “em grafeno impresso num papel de parede com uma fracção de milímetro de espessura e tiras de cobre em cada extremidade”. “Uma vez electrificado, o grafeno irradia infravermelhos (uma forma de luz de baixa energia) para aquecer uma divisão”, acrescenta o investigador. “A sensação de calor é a mesma que se tem quando se sai da sombra e se entra numa área soalheira num dia quente de Verão.”

A NexGen Heating, a empresa responsável pela produção deste produto para o estudo (e para a Grã-Bretanha), explica na sua página oficial que este produto “aquece rapidamente, oferecendo uma sensação de conforto quente após um a dois minutos”. Eles prometem uma solução mais eficiente – que trabalha a electricidade – e que, combinado com “painéis solares e baterias, pode produzir uma solução totalmente zero de emissões de dióxido de carbono”.

A empresa fala também numa solução para remover “mofo e humidade”, para além de ser “de custo baixo, fácil instalação e sem manutenção”. Mas é realmente uma solução eficiente? As opiniões dividem-se.

Perceber os infravermelhos

Num pequeno salto temporal de regresso às aulas de físico-química, recordemos quais são as três maneiras de transmitir calor. A condução acontece quando, por exemplo, tocamos num objecto quente, como uma panela, e sentimos o calor porque “foi conduzido” até às nossas mãos. No caso da convecção, a propagação do calor ocorre por meio de correntes de convecção. Quando aquecemos uma chaleira de chá no fogão, a água que está mais próxima do fogo torna-se menos densa e sobe, enquanto a mais fria torna-se mais densa e desce. E, por fim, temos a irradiação.

A irradiação acontece quando o calor é propagado por meio de ondas electromagnéticas como, por exemplo, os raios ultravioleta. O papel de parede eléctrico emite infravermelhos invisíveis (a olho nu) que propagam o calor na divisão, sem recorrer a gás. Apesar de ainda não ter sido confirmado pelos investigadores, a empresa promete melhor qualidade do ar nas propriedades, com a vantagem de diminuir “o mofo e a humidade” das casas.

PÚBLICO - O papel de parede elétrico é colocado no tecto da divisão
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O papel de parede elétrico é colocado no tecto da divisão

O papel de parede eléctrico, segundo José Luís Alexandre, professor de Engenharia Mecânica da FEUP, não passa de uma “resistência eléctrica colada às paredes”. Em conversa com o PÚBLICO ao telefone, o professor explicou que este equipamento pode ser colocado no tecto, nas paredes e até no chão. Ao contrário dos radiadores comuns, estes equipamentos eléctricos prometem propagar calor que se retém nos objectos da divisão (sofás, carpetes...), uniformemente e rapidamente.

“Não aquece o ar, aquece a pessoa”, comenta o professor. Tal como o piso radiante, uma tendência também em crescimento para aquecer, por exemplo, os chãos das casas de banho, estes sistemas são de “fácil instalação e baixo custo”. Mas este equipamento “tem um inconveniente enorme”: “Estamos a consumir de forma directa um vector energético, a electricidade, que é, de toda a energia, a mais cara, a “mais nobre.”

Quanto a questões de saúde, o professor não acredita que exista qualquer ameaça. “É inócuo para a saúde”, refere. No que toca às possibilidades de incêndio, não lhe parece que possa acontecer sem existir uma anomalia ou uma deficiência de construção prévia no equipamento.

Mas esta tecnologia, ainda nas primeiras fases de teste, levanta outras questões interessantes, segundo João Pedro Gouveia, do Centro de Investigação em Ambiente e Sustentabilidade (Cense), da Universidade Nova de Lisboa. "Se eu estiver a meter esta tecnologia numa parede cheia de humidade, com problemas de infiltrações, não tem qualquer risco? Parece-me arriscado."

Uma solução económica e ecológica? Não tanto quanto parece

“Vamos usar um exemplo simples: uma família que receba o ordenado mínimo não vai ter possibilidades de fazer grandes investimentos em equipamentos de aquecimento, por mais que precise deles”, descreve o professor da FEUP. O papel de parede eléctrico, sendo uma opção barata, vai ser mais atractivo. O problema surge no consumo de electricidade mensal que esse equipamento vai exigir. “O que não se pagou com o papel vai-se pagar na factura da electricidade no final do mês”, avisa.

“É uma solução que parece que vai dar resposta para aqueles dias mais frios que não têm solução nenhuma, mas depois [as famílias] não vão ter dinheiro para manter o sistema porque a electricidade é cara”, expõe José Luís Alexandre. “É um ciclo vicioso que se estabelece”, avalia.

A pobreza energética é um problema que “tem de ser atacado”. “É preciso arranjar uma forma em que as pessoas possam usar equipamentos eficientes”, acrescenta o professor. “A pobreza energética traz problemas de saúde e de produtividade, estamos a carregar outros problemas por causa desta questão”. Para além disso, Alexandre alerta para a questão da fonte da própria electricidade. “Quem nos garante que essa electricidade [que alimenta os equipamentos] é verde?”, questiona.

PÚBLICO - Funcionamento do papel de parede através de painéis solares
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Funcionamento do papel de parede através de painéis solares

Para João Pedro Gouveia, a inovação é importante, mas mais importante ainda é resolver os problemas mais profundos, tais como a falta de isolamento nos edifícios e as infiltrações nas casas, por exemplo. "Estamos muito à espera das grandes tecnologias para nos salvar de todos os problemas", comenta. "Investir em equipamentos em vez de resolver as questões-base, para mim, é problemático."

Numa óptica mais económica, o investigador alerta ainda para a paridade do poder de compra da população portuguesa. "Pagamos menos pela electricidade do que pagávamos há uns anos, é verdade", mas é necessário ver o espectro total da situação económica portuguesa e não só mostrar os dados favoráveis. "Não me interessa ter dois cêntimos mais barato do que um sueco por quilowatt/hora [de electricidade], se o sueco ganha cinco vezes mais do que eu..."

Idosos: um grupo vulnerável e esquecido na política

“No caso dos idosos, por exemplo, falamos de um grupo muito vulnerável ao frio, que não tem capacidade para comprar medicamentos, quanto mais equipamentos de aquecimento e arrefecimento das casas”, acrescenta José Luís Alexandre. “Estamos a falar de pessoas que, normalmente, vivem em casas muito antigas, debilitadas e que não têm dinheiro para fazer intervenções nos edifícios”, acrescenta.

João Pedro Gouveia questiona ainda como é que estes edifícios, debilitados e com problemas estruturais de isolamento, vão ser capazes de armazenar o calor. "No fundo, vamos estar a aquecer as ruas. Numa casa com problemas de isolamento, o ar quente vai sair porque a casa não consegue manter as condições de aquecimento", acrescenta.

O primeiro regulamento das condições térmicas das habitações foi publicado em Portugal, pela primeira vez, em 1990, ao contrário de outros países europeus que já possuíam esses regulamentos desde as décadas de 1950-60. “Temos mais qualidade nas novas construções”, esclarece o professor. “Mas os idosos acabam por viver em casas antigas, com falta de isolamento”, acabando por não usufruir de melhores condições de habitabilidade.

Em 2023, Portugal foi o Estado-membro da União Europeia (UE) com a percentagem mais elevada de pobreza energética – 20,8%. A Comissão Europeia exigiu mais protecção para os consumidores mais vulneráveis. O Governo anunciou, no início do mês de Novembro, um programa para apoiar famílias na compra de electrodomésticos eficientes como forma de combater a pobreza energética. Maria Graça Carvalho, ministra do Ambiente e da Energia, anunciou ainda o programa Áreas Urbanas Sustentáveis para promover a eficiência energética em comunidades mais vulneráveis, tais como os bairros sociais e os bairros históricos, através de “isolamento térmico de edifícios e a actuação em espaços públicos, incluindo zonas verdes”.

“Não me parece uma solução lógica para combater o que quer que seja”

No que toca ao acolhimento da população que já se encontra a testar o papel de parede, Ahmad Taha afirma que “a investigação ainda está numa fase inicial de testes”. Andrew Kubski, director de desenvolvimento e gestão da Associação de Habitação do Oeste da Escócia, escreveu na página de notícias da Universidade de Glasgow: "Temos recebido excelentes reacções dos nossos inquilinos nos locais onde foi instalada.”

Taha espera que esta tecnologia “acenda alguma luz” sobre a necessidade de encontrar alternativas viáveis ao aquecimento a gás. Os investigadores querem não só “incluir mais casas” no estudo, mas também alargá-lo a “outras regiões, diferentes inquilinos e diferentes tecidos dos edifícios”.

Apesar de poder ser uma solução acessível para as famílias com menores rendimentos – e maior dificuldade em aquecer as suas casas – o professor José Luís Alexandre partilha de uma opinião pouco favorável sobre uma tecnologia que não vai fazer frente ao problema estrutural que é a pobreza energética. “Não me parece uma solução lógica para combater o que quer que seja”, conclui.

Já João Pedro Gouveia avalia que esta tecnologia pode competir com outras a nível de aplicabilidade, como as bombas de calor – apontadas no mercado internacional como tecnologias eficientes para aquecimento dos espaços e já com uma presença considerável no mercado português – mas que, para Portugal, "a substituição do gás não é o nosso principal problema". "A maioria da energia usada para aquecer os espaços é a lenha, 60% do aquecimento é feito com lenha", contextualiza. "A inovação tem de aparecer, mas, mais do que a parte tecnológica, é preciso resolver os problemas estruturais da pobreza energética em Portugal", conclui o investigador.

Texto editado por Andrea Cunha Freitas