Jasleen Kaur chegou de Ford Escort coberto com um naperon ao Prémio Turner e venceu

Obra da artista escocesa combina escultura, ready-made, fotografia e uma banda sonora com música pop e sufi.

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A artista escocesa Jasleen Kaur junto ao Ford Escort, parte da instalação na Tate Britain Josh Croll / Tate
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A escocesa Jasleen Kaur é a vencedora da edição 2024 do Prémio Turner de arte contemporânea, com uma exposição que convoca objectos do quotidiano como um velho Fort Escort, coberto pela artista com um naperon de renda, para reflectir sobre a vida em comunidade e a sua herança cultural, nomeadamente a indiana. A obra de Kaur combina escultura, ready-made, fotografia e uma banda sonora que mistura música pop e sufi.

A artista de 38 anos, que nasceu em Glasgow, na Escócia, recebe um prémio pecuniário de 25 mil libras (cerca de 30 mil euros). O seu trabalho, com o dos outros três finalistas — Pio Abad, Claudette Johnson e Delaine Le Bas —, pode ser visto na Tate Britain até 16 de Fevereiro.

Na sua 40.ª edição, o prémio, que leva o nome do pintor britânico J.M.W. Turner, volta a ser atribuído a um artista nascido ou radicado no Reino Unido em reconhecimento de uma exposição ou de uma apresentação do seu trabalho nos 12 meses anteriores. Jasleen Kaur foi nomeada por uma exposição apresentada em 2023 no Tramway, um centro de artes visuais e performativas de Glasgow, com curadoria de Claire Jackson.

Intitulada Alter Altar, a exposição explora a forma como a memória colectiva cobre com camadas os objectos e rituais que nos cercam, explica a Tate Britain no seu site: "Kaur corta e cola objectos do seu crescimento em Glasgow, espalhando-os por todo o espaço da galeria, para dar sentido ao que está ‘fora de vista' ou foi retirado. Muitos desses assuntos ocultos relacionam-se com os impactos do imperialismo nas narrativas e histórias herdadas."

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Jasleen Kaur faz instalações reunindo e refazendo objetos da vida quaotidiana para renegociar a tradição e os mitos herdados Josh Croll

A sua exposição "entrelaça o pessoal, o político e o espiritual", disse o júri, acrescentando que a artista conseguiu congregar diferentes vozes através de "inesperadas e lúdicas combinações de materiais", de fotos de família ao carro Fort Escort vermelho, passando por latas do refrigerante Irn-Bru. Jasleen Kaur "coreografa uma experiência visual e auditiva que sugere solidariedade e alegria", acrescenta o comunicado.

Ao aceitar o prémio, Kaur agradeceu à sua equipa, colaboradores e "aos artistas, poetas, pais e alunos" que lhe mostram "o trabalho lento e meticuloso de organização e construção do mundo", bem como "às pessoas que orientam suas vidas para a liberdade, que defendem a vida, não a morte". A artista, que usava um cachecol com as cores da Palestina, aproveitou o seu discurso para pedir um cessar-fogo no Médio Oriente.

"Tenho-me perguntado por que razão é pedido aos artistas para sonhar com a libertação nas exposições, mas quando esse sonho significa vida, fecham-nas", disse ainda. "Quero que a separação entre a expressão da política na galeria e a prática da política na vida desapareça. Quero que a instituição entenda: se nos quer cá dentro, precisa de nos ouvir lá fora. Cessar-fogo agora, embargo de armas agora, Palestina livre!"

Alter Altar é uma grande instalação organizada entre um tapete e um tecto falso, onde sobre uma mesa que parece saída de um evento comunitário surgem inesperadas esculturas que tomam a forma de uma mão animada por pequenos sinos religiosos. A música ressoa através do espaço, na descrição da Tate Britain. A voz da artista sobrepõe-se ao sistema de som do carro que passa música sufi devocional e música pop. O ambiente sonoro "cria uma polifonia de referências e experiências", numa "mistura inebriante de histórias e iconografias pessoais, políticas, sociais e religiosas", aponta o júri.

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Vista da instalção com as esculturas Josh Croll

O veterano dos críticos do jornal The Guardian, Adrian Searle, confessou que desejou que Jasleen Kaur vencesse assim que viu a exposição dedicada ao prémio na Tate Britain. Ao descrever esta instalação complexa, centrada numa imitação de um grande tapete Axminster, tipicamente inglês com os seus padrões de cores brilhantes, considerou-a, primeiro do que tudo, acolhedora: “O prazer e o político, o pessoal e o comunitário, unem-se nesta instalação comovente.”

Sobre as cabeças dos visitantes, que podem espraiar-se sobre o tapete, encontra-se um tecto translúcido, que evoca o céu sempre em transformação de Glasgow, acrescenta Searle. Em vez de nuvens, pairam sobre os corpos dos visitantes objectos perdidos. Será lixo que foi parar a esta falsa clarabóia? São as memórias da artista escocesa, de regresso à cidade onde Kaur cresceu, com referências à vida familiar, à sua comunidade: as tais latas de Irn-Bru, mas também unhas manchadas de açafrão, panfletos políticos que se misturam com um lenço extraviado e cassetes antigas.

Esses objectos aparentemente domésticos espalhados pelo céu, continua o júri, fazem referência ao dualismo "político-místico" — uma figura da herança indiana da artista. Ela cresceu, podemos ouvi-la contar num vídeo disponível no site da Tate Birtain, dentro da tradição sikh que ensina uma coexistência equilibrada entre o miri (político/temporal) e os reinos piri (espirituais). Entre o tapete e o céu, a artista propõe um espaço de encontro e reflexão.

​Já Laura Cumming, também no Guardian, que assinou a crítica à exposição dos quatro finalistas em Setembro, não parece tão entusiasmada com o trabalho de Jasleen Kaur que convoca, “entre coisas e mais coisas”, o carro Ford Escort do pai coberto por uma renda escocesa que também é uma alusão ao comércio de algodão colonial. "Sem os textos da parede, nada parece coerente”, comenta num texto intitulado Turner prize 2024 – everything, everywhere, all at once.

Lá fora, durante o jantar em que decorre a cerimónia, uma centena de manifestantes pró-Palestina cantava e agitava bandeiras, na descrição do New York Times, num protesto que foi antecedido pela publicação de uma carta aberta a pedir ao grupo Tate que acabe com qualquer associação a Israel, nomeadamente aos mecenas Anita e Poju Zabludowicz, uma vez que o casal tem “ligações económicas e ideológicas bem documentadas" ao governo israelita através do negócio imobiliário da família. Entre os signatários da carta surge o nome de Kaur e de vários outros artistas que também ganharam o prémio, como Charlotte Prodger ou Helen Cammock.

No ano passado, escreve o jornal norte-americano, o casal Zabludowicz disse que estava "profundamente triste e perturbado com a terrível guerra que se desenrola em Israel e Gaza" e que apoiava "fortemente uma solução de dois Estados".

Kaur, que vive e trabalha em Londres, estudou Ourivesaria e Joalharia na Glasgow School of Art e no Royal College of Art. O prémio, que foi anunciado na terça-feira à noite numa cerimónia na Tate Britain, em Londres, foi-lhe entregue pelo actor James Norton, numa cerimónia que assinalou o regresso do prémio ao seu local de origem, a Tate Britain, nesta edição que comemora um aniversário redondo.

O júri felicitou os quatro finalistas que definiu como representantes "do elevado padrão da arte britânica no momento actual", explorando, cada um à sua maneira, "um sentimento íntimo de si, de família e de comunidade na circulação de culturas, crenças e ideias".

Presidido pelo director da Tate Britain, Alex Farquharson, o júri foi ainda composto pela directora do Wysing Arts Centre, Rosie Cooper, o escritor e curador Ekow Eshun, o director-geral da Japan House London, Sam Thorne, e pela curadora e historiadora de arte Lydia Yee.

Entre os vencedores de anteriores edições estão Malcolm Morley (1984), Gilbert & George (1986), Anish Kapoor (1991), Damien Hirst (1995), Steve McQueen (1999), Wolfgang Tillmans (2000), Susan Philipsz (2010), Elizabeth Price (2012), Laure Prouvost (2013), Helen Marten (2016), Veronica Ryan (2022) e Jesse Darling (2023).

No próximo ano, o vencedor será anunciado na cidade de Bradford, Capital Europeia da Cultura 2025, que acolherá a exposição de finalistas na Cartwright Hall Art Gallery.

Com Reuters e Lusa

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