A democracia sul-coreana recusou a lei marcial do Presidente Yoon

O partido do chefe de Estado conservador, a oposição e milhares de sul-coreanos protestaram contra decisão dramática. Militares chegaram a entrar e bloquear a Assembleia, mas o “caos” durou pouco.

destaque,abre-conteudo,militares,mundo,coreia-sul,asia,
Fotogaleria
Milhares de sul-coreanos juntam-se em frente aos portões da Assembleia Nacional, em protesto contra a decisão do Presidente Kim Hong-Ji / REUTERS
destaque,abre-conteudo,militares,mundo,coreia-sul,asia,
Fotogaleria
Yoon fez um discurso ao país na noite (hora local) desta terça-feira JEON HEON-KYUN / EPA
destaque,abre-conteudo,militares,mundo,coreia-sul,asia,
Fotogaleria
Soldados sul-coreanos destacados em frente ao edifício do Parlamento YONHAP / EPA
destaque,abre-conteudo,militares,mundo,coreia-sul,asia,
Fotogaleria
Reforço militar junto à Assembleia Nacional YONHAP / EPA
Fotogaleria
Protestos em Seul, contra o Presidente Yoon YONHAP / EPA
Fotogaleria
Woo Won-shik, presidente da Assembleia Nacional, no momento do anúncio da aprovação de uma moção que torna a declaração de Yoon "inválida" YONHAP / EPA
Ouça este artigo
00:00
05:08

Exclusivo Gostaria de Ouvir? Assine já

O Presidente da Coreia do Sul, Yoon Suk-yeol, surpreendeu tudo e todos quando, no final da noite desta terça-feira (hora local), tomou a decisão dramática e sem aviso prévio de declarar a imposição da lei marcial em todo o território. Seguiram-se horas de “caos” e tensão na Assembleia Nacional, em Seul, com o destacamento de soldados, a publicação de um decreto militar a proibir “toda a actividade política” e milhares de manifestantes em protesto nas ruas.

Convocados de urgência pelo presidente da Assembleia Nacional, Woo Won-shik, 190 dos 300 deputados do órgão legislativo aprovaram uma moção a bloquear a declaração da lei marcial, cumprindo a Constituição e passando a bola para Yoon, que esteve várias horas em silêncio. Já depois da 4h da manhã de quarta-feira (19h em Portugal continental) e de o próprio partido do chefe de Estado conservador se ter manifestado contra ele, Yoon viu-se obrigado a anunciar que iria revogar a sua decisão.

O Presidente reuniu-se depois com o seu Governo para oficializar a decisão e para definir os passos seguintes. Para a oposição, maioritária no Parlamento, e para muitos dos manifestantes que se juntaram em frente aos portões do edifício público, alguns chegando a entrar em confrontos com os militares, a demissão é o único caminho.

Tudo começou quando Yoon fez um comunicado ao país a acusar o Partido Democrático (PD), de centro-esquerda, de “actividades anti-estatais”, de “conspiração para uma rebelião” e de simpatizar com a Coreia do Norte.

“Declaro a lei marcial para proteger a República da Coreia [Coreia do Sul] livre da ameaça das forças comunistas norte-coreanas, para erradicar as desprezíveis forças anti-estatais pró-norte-coreanas que estão a roubar a liberdade e a felicidade do nosso povo e para proteger a ordem constitucional livre”, anunciou, justificando a governação temporária e urgente do país asiático pelos militares.

Sem revelar pormenores sobre as supostas ligações entre a oposição e o país governado por Kim Jong-un, o Presidente referiu, ainda assim, a rejeição recente do PD a uma proposta orçamental do seu Governo, e uma moção, igualmente proposta pelo partido de centro-esquerda, maioritário na Assembleia Nacional, destinada a destituir alguns procuradores sul-coreanos.

Han Dong-hoon, líder do Partido do Poder Popular (centro-direita), de Yoon, condenou imediatamente a declaração da lei marcial, dizendo que era “errada” e que prometendo ajudar o PD a declará-la inválida na Assembleia.

Horas depois do comunicado do chefe de Estado, um decreto assinado pelo general do Exército Park An-su, nomeado “Comandante da Lei Marcial”, anunciou a “proibição de todas as actividades políticas, incluindo as actividades da Assembleia Nacional, dos conselhos locais, dos partidos políticos, das associações políticas, dos comícios e das manifestações”.

Depois, as Forças Armadas sul-coreanas proibiram o acesso dos deputados à Assembleia Nacional, enviaram soldados para dentro do edifício e puseram helicópteros a sobrevoar a zona.

Lee Jae-myung, líder do PD, tinha, entretanto, pedido à população para se deslocar até à Assembleia Nacional para protestar contra a decisão do Presidente. Milhares de pessoas aderiram ao apelo, juntando-se em frente dos portões do Parlamento, situado na zona de Yeongdeungpo, pedindo a destituição de Yoon e acusando-o de “golpe de Estado”.

“Tanques, veículos blindados e soldados armados com pistolas e facas vão governar o país”, denunciou Lee. “A economia da República da Coreia vai entrar num colapso irremediável.”

Populismo sem maioria

Nos termos do decreto militar, também eram proibidas todas “as greves, paralisações do trabalho e manifestações que incitem ao caos social”; e “todos os meios de comunicação social e publicações ficam sujeitos ao controlo do Comando da Lei Marcial.”

O decreto, citado pela Reuters, sublinhava ainda que os infractores podiam ser presos, detidos e revistados sem mandado, em conformidade com o artigo 9.º da Lei da Lei Marcial da República da Coreia e punidos ao abrigo do artigo 14.º.

Com a decisão de revogar a lei marcial, os militares reunidos em frente à Assembleia Nacional também começaram a dispersar.

Antigo procurador-geral, Yoon Suk-yeol só entrou na política activa em 2021, tendo sido eleito para a presidência da Coreia do Sul no ano seguinte, com o apoio do PPP, depois liderar uma campanha baseada num discurso agressivo e populista anticorrupção.

Em Abril deste ano, o Presidente perdeu, no entanto, capacidade para implementar o seu programa, depois de o PD ter conquistado a maioria dos deputados na Assembleia Nacional, nas eleições legislativas. Segundo o sistema sul-coreano, o chefe de Estado só pode cumprir um único mandato presidencial, de cinco anos, pelo que Yoon está de mãos atadas, em termos de iniciativa política e legislativa, até 2027.

Kurt Campbell, vice-secretário de Estado norte-americano, disse que os Estados Unidos estão a acompanhar os desenvolvimentos da situação política na Coreia do Sul com “preocupação”. Porta-vozes dos governos britânico e alemão, entre outros, deram conta de posições semelhantes das autoridades dos respectivos países.

A última vez que a lei marcial tinha sido declarada na Coreia do Sul foi em 1979, depois do assassínio do ditador Park Chung-Hee. Pouco depois, o general Chun Doo-Hwan liderou um golpe militar e assumiu o poder, tendo governado o país com mão de ferro até 1988, antes de permitir a transição para a democracia.

Sugerir correcção
Ler 75 comentários