O Tribunal de Loures condenou o Ministério da Justiça por perturbar e destruir uma colónia de andorinhas com obras no Palácio da Justiça da Lourinhã, segundo sentença transitada em julgado, a que a Lusa teve acesso esta quarta-feira. O Tribunal da Comarca Lisboa Norte, com sede em Loures, considerou “procedente” a providência cautelar interposta pela Lourambi - Associação para a Defesa do Ambiente da Lourinhã contra o Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça (IGFEJ), na tutela do Ministério da Justiça.
“Em relação à obra adjudicada pelo IGFEJ destinada à reparação da situação de queda de reboco do beirado do Palácio da Justiça da Lourinhã, iniciada em Abril de 2024, condena-se o requerido, a não destruir, danificar ou retirar ninhos, perturbar ou impedir, seja por que meio for, a nidificação de aves selvagens nas paredes do Palácio da Justiça de Lourinhã”, refere a sentença.
“O desfecho positivo da providência cautelar é um primeiro passo que nos permitirá avançar com redobrada confiança para a acção principal em que iremos exigir que todas as obras de restauro e conservação de que o edifício carece sejam programadas e adjudicadas em simultâneo, exigindo também que nessa intervenção sejam adoptadas todas as medidas alternativas à destruição” dos ninhos, defendeu a Lourambi em comunicado divulgado na sua página da Internet.
“Não é aceitável que o Estado português todos os anos destrua os ninhos desta importante e significativa colónia de aves selvagens protegidas, o que tem contribuído para a assinalável e já registada redução progressiva da sua população, o que afecta o seu estatuto de conservação e constitui um dano ambiental”, adianta a associação ambientalista.
O tribunal deu como provado que o IGFEJ iniciou a intervenção em 8 de Abril, sem licença do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), atingindo “totalmente o local de nidificação e a reprodução de aves selvagens”, concretamente as andorinhas, que têm “há décadas” uma colónia no edifício. As obras implicaram a utilização de maquinaria e a intervenção humana que “afectam a permanência na zona daquelas aves”, em época de nidificação e reprodução, sustentou o tribunal.
O tribunal deu ainda como provado que o concurso por ajuste directo do IGFEJ foi lançado a 21 de Outubro de 2023, as obras adjudicadas a 20 de Novembro desse ano e a intervenção iniciada em 8 de Abril de 2024, tendo os trabalhos sido suspensos por intervenção da GNR e denúncia da Lourambi. O tribunal não deu como provado o adiamento da obra de Dezembro para Abril “atendendo a questões climatéricas”, como argumentou o Ministério da Justiça.
A legislação nacional estabelece medidas de protecção das aves e dos seus “habitats”, sobretudo durante o período de reprodução. É proibido destruir os ninhos de andorinhas durante a altura da construção dos ninhos e da sua nidificação. Quem quiser destruir os ninhos, noutra altura do ano, terá de pedir autorização ao ICNF.
“O Estado português não pode consagrar constitucionalmente o direito ao ambiente, defender uma política de ambiente, subscrever tratados internacionais que o vinculam, elaborar leis e decretos-lei de defesa da vida selvagem e depois com a sua actuação concreta negar tudo isso”, sublinharam os ambientalistas. A reparação no edifício “pode e deve ser efectuada noutro período, em que as andorinhas não estejam a nidificar e a tentar reconstruir os ninhos”, defende a associação.
Sobre a questão de destruição dos ninhos de andorinhas, a Sociedade Portuguesa para o Estudo de Aves (SPEA) explica que, se a razão para isso for a sujidade que fica à volta dos ninhos, é possível colocar caleiras por baixo dos ninhos que apanham os dejectos. Outro argumento que a SPEA acredita poder ajudar a dissuadir acções dessas é a importância ecológica daquelas aves. “A andorinha é um animal muito útil no combate a pragas: come uma quantidade enorme de insectos, sobretudo as moscas e mosquitos que podem estragar uma bela noite de verão”, recorda aquela sociedade no seu site.