“Os jornais escolares têm um papel fundamental em criar pessoas”

Melhores jornais escolares do país foram distinguidos e estudantes reivindicaram um sítio para falarem ao mundo. Esta geração tem “coisas para dizer” e as escolas não podem ser “um espaço isolado”.

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Matilde Moura (à direita) recebe o Prémio Incentivo das mãos de Carolina Franco, jornalista do PÚBLICO na Escola Rui Gaudêncio
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Mais de uma hora depois de ter recebido o cheque gigante que simboliza a consagração do seu jornal escolar, Matilde Moura ainda se esforçava por secar as lágrimas. “É muita emoção”, dizia, no fim da cerimónia de onde O Mensageiro saiu com um dos prémios especiais.

Concebido e escrito por dez alunos da Escola Básica e Secundária de Santa Maria, naquela ilha açoriana, o jornal escolar tornou-se “um organismo vivo da comunidade”, nas palavras da jornalista Carolina Franco, e para Matilde foi uma oportunidade de alargar horizontes. Literalmente: na terça-feira foi a primeira vez que esteve em Lisboa, a primeira vez que saiu dos Açores.

Aluna do 10.º ano, indecisa entre uma carreira jornalística ou mais ligada à edição livreira, Matilde viaja através dos livros que lê avidamente e que foram a sua porta de entrada n’O Mensageiro, para onde escreve críticas e recensões literárias. Mas ver as luzes de Natal de Lisboa ao vivo e a cores – e não apenas pela televisão, como até agora – e visitar a redacção de um jornal é outra coisa...

“Matilde, vem rápido para casa”, telefonou-lhe a mãe um dia, já depois d’O Mensageiro ter sabido que ganhara o Prémio Incentivo do PÚBLICO na Escola, o projecto de literacia mediática do PÚBLICO. Não tinha acontecido nada de grave, como Matilde chegou a temer, era só o professor João Figueiredo a querer dizer-lhe que ia com ela a Lisboa.

O coordenador do clube de comunicação da escola, de onde sai o jornal, não cabia em si de contente esta quarta-feira, quando ambos entraram no auditório do PÚBLICO para a cerimónia de entrega dos prémios do Concurso de Jornais Escolares 2023/2024. “É muito interessante ver que num meio tão pequeno, a ilha de Santa Maria, há cidadãos do mundo. Vermos que há jovens, com o seu contexto, com o seu know-how, que conseguem olhar para o mundo.”

Conversas em papel

No Dia da Literacia Mediática, que o PÚBLICO assinalou com iniciativas dedicadas ao PÚBLICO na Escola e ao PSuperior, o secretário de Estado Adjunto e da Educação afirmou que a criação de um jornal escolar “não é um exercício lúdico, mas de aprendizagem, de cidadania”. Alexandre Homem Cristo revelou que ele próprio colaborou no jornal da sua escola – que teve vida curta. “A escola não gostou muito do tom que colocávamos nos jornais”, riu-se.

O governante destacou que “as escolas devem trabalhar cada vez mais” uma abordagem “holística” das aprendizagens, que não se ganham apenas dentro do perímetro escolar. “É muito mais estimulante para um aluno ter um projecto que o envolve do que fazer um exercício em sala de aula”, sustentou, argumentando ainda que é preciso “não fazer das escolas um espaço isolado, mas que comunica para fora”.

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Alexandre Homem Cristo na cerimónia Rui Gaudêncio

Reivindicando os jornais escolares como um “espaço de alunos para alunos”, foram vários os estudantes premiados que destacaram essas publicações como sítios de experimentação, de liberdade, até de transgressão, de descoberta de uma voz própria e de um sentido de comunidade.

“Os jornais escolares têm um papel fundamental em criar pessoas”, disse Tiago Marques, aluno do Agrupamento de Escolas da Branca, em Albergaria-a-Velha, que se apresentou no púlpito como “jornalista”. O jornal em que colabora é um veterano: Escrita Irrequieta existe há mais de 20 anos e, desta feita, ficou em segundo lugar na categoria de melhor jornal de agrupamento. O primeiro lugar coube a Mar da Palha, do Agrupamento de Escolas Emídio Navarro, em Almada, que Bernardo, um dos autores presentes, descreveu como “conversas de esplanada em papel”.

Coisas para dizer

“É muito gratificante constatar” que os estudantes cada vez mais “publicam trabalhos conscientes do poder e da responsabilidade que caracterizam a liberdade de expressão”, disse Luísa Gonçalves, coordenadora do PÚBLICO na Escola. “Já são muitos a perceber que um repositório de trabalhos não faz um jornal.”

Nos últimos anos, disse a responsável, os jornais escolares estão a dar mais espaço à reportagem, à comunicação de ciência e às comunidades em que as escolas se inserem. Mostram que existe “uma geração empenhada” e “com coisas para dizer”, capaz de “ser autónoma, de ser criativa e de pensar”, disseram vários oradores.

“Os jovens estão empenhados em construir esta democracia e em melhorar a sua qualidade”, declarou Maria Inácia Rezola, coordenadora da Comissão Comemorativa dos 50 anos do 25 de Abril, a quem coube entregar o prémio de melhor trabalho sobre democracia (à revista Ponto, da Escola Secundária José Saramago, em Mafra).

As representantes de "Se Bem nos Lembramos", jornal de Praia da Vitória, na ilha Terceira Rui Gaudêncio
Os representantes do "Mar da Palha", jornal escolar de Almada Rui Gaudêncio
Tiago Marques e o colega Cláudio, do "Escrita Irrequieta", recebem o prémio das mãos de Artur Santos Silva, da Fundação laCaixa Rui Gaudêncio
Beatriz Martins e Sara Faquineu, em representação do jornal "Margem Certa", de Almada Rui Gaudêncio
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As representantes de "Se Bem nos Lembramos", jornal de Praia da Vitória, na ilha Terceira Rui Gaudêncio

Exemplo acabado de que os estudantes têm coisas para dizer foi o discurso de Beatriz Martins e Sara Faquinéu, em representação do Margem Certa, primeiro classificado na categoria de melhor jornal de escola. Quando se apanharam com plateia, e com o secretário de Estado à frente, não se acanharam: “Não temos um sítio para reunir todos os membros do nosso jornal. A nossa escola é pequena para a quantidade de alunos que temos.”

Antes da cerimónia, as duas estudantes do 11.º ano da Escola Secundária de Cacilhas-Tejo, em Almada, tinham estado a ensaiar o que iam dizer. “Estar aqui é mais um choque de realidade”, admitia Beatriz. Quando começaram a colaborar com o jornal, pensaram: “Gostamos de escrever, vamos divertir-nos.” “E, de repente, ganhamos um prémio”, dizia Sara, incrédula: “Ainda não me 'caiu a ficha'...”

Estão as duas na área de Ciências, embora Sara tenha estado “muito indecisa” entre isso e Humanidades. Ela não se vê jornalista no futuro. Já Beatriz, para quem a escolha de Ciências foi óbvia porque sempre gostou muito de Matemática, não está tão certa. O jornalismo desportivo alicia-a. Essa opção profissional “já esteve mais longe”, confidenciou.

O Concurso Nacional dos Jornais Escolares é promovido pelo PÚBLICO na Escola, um projecto que tem o apoio do Ministério da Educação, Ciência e Inovação, da Fundação Belmiro de Azevedo e da Fundação "la Caixa".

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