Sem acção climática, uma em cada 20 espécies da Terra pode estar em risco em 2100

Crise climática já ameaça a biodiversidade: 1,6% das espécies estão hoje em risco. Se mantivermos o ritmo actual de emissões, uma em cada 20 espécies estará em risco em 2100, diz estudo da Science.

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Espécies da América do Sul, como esta tartaruga albina fotografada no Brasil, estão entre as consideradas com maior risco de extinção na meta-análise da revista Science AFP PHOTO/ICMBIO
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Estima-se que 1,8% das espécies que vivem na Terra estejam em risco de extinção mesmo que se cumpra o Acordo de Paris, cujo objectivo é limitar a subida da temperatura média do planeta a 1,5 graus Celsius. Se mantivermos a trajectória de emissões actual, uma em cada 20 espécies estará em risco até 2100. Os seres vivos que habitam a América do Sul, a Austrália e a Nova Zelândia, em particular os anfíbios, estão entre os mais ameaçados. Estas são algumas das conclusões de um artigo científico publicado esta quinta-feira na revista Science.

“Este estudo constata a certeza crescente das extinções actuais e futuras causadas pelas alterações climáticas. Para evitar uma aceleração das extinções das espécies devido à mudança do clima, temos de impedir que as temperaturas globais subam para além dos 1,5 graus Celsius”, afirma ao PÚBLICO o investigador Mark Urban, autor do estudo da Science.

O trabalho mostra que, com a subida da média dos termómetros globais verificada actualmente (superior a 1,3 graus Celsius), 1,6% das espécies estão ameaçadas. O risco aumenta à medida que o termómetro global aquece: num cenário climático de um aumento da média de temperatura equivalente a 2 graus Celsius, o risco de extinção salta para 2,7%. Num quadro extremo pode chegar a quase 30%, se a subida da temperatura média for de 5,4 graus Celsius em relação aos níveis pré-industriais.

A mudança do clima já está hoje a “remodelar os ecossistemas” através de alterações não só na distribuição e na interacção das espécies, mas também na dinâmica das populações. Enquanto algumas espécies reagem à crise climática migrando ou adaptando-se às novas circunstâncias ambientais, outras não conseguem ter a mesma flexibilidade e, por isso, têm como destino a redução do tamanho das populações ou uma possível extinção.

Da seca hidrológica à degradação de habitats, as alterações climáticas podem ter múltiplos efeitos negativos nos ecossistemas e, como consequência, nas espécies que dele fazem parte. Os seres vivos que integram ecossistemas de montanha, insulares e de água doce estão particularmente ameaçados, segundo o artigo científico. No que toca à Europa, o risco de extinção é moderado em comparação com as ameaças estimadas na América do Sul e na Oceânia.

“A maior parte da Europa é caracterizada por riscos de extinção moderados, que não são significativamente diferentes do risco médio global. A parte europeia do Árctico apresenta riscos ligeiramente inferiores, o que provavelmente reflecte os taxa [grupos utilizados na sistemática biológica para classificar organismos] menos sensíveis que aí vivem. No entanto, mesmo nestas regiões, algumas espécies serão afectadas pelas alterações climáticas”, alerta o investigador da Universidade de Connecticut, nos Estados Unidos.

O estudo constitui um alerta não só para a urgência de reduzir as emissões globais, como também para a importância de identificar quais são as espécies prioritárias em termos de conservação. A ideia é proteger os seres vivos mais ameaçados até que se consiga travar e inverter a trajectória de subida da temperatura média do planeta.

“A extinção representa apenas o ponto final da existência de uma espécie. Mesmo quando a extinção é evitada, o declínio da abundância e a diminuição da área de distribuição podem afectar fortemente muitas outras espécies, incluindo os seres humanos”, conclui o estudo.

Como foi feito o estudo?

Mark Urban explica que a maioria dos estudos sobre as extinções causadas pela crise climática concentra-se em diferentes espécies, regiões do globo ou parte de diferentes pressupostos sobre a mudança do clima e a capacidade de resposta dos seres vivos a essas alterações. O trabalho realizado pelo investigador da Universidade de Connecticut difere desses estudos isolados (ou desactualizados) uma vez que consiste numa meta-análise.

“Uma forma de ver o panorama geral é analisar todas as análises – a chamada “meta-análise” – que permite estimar um efeito médio geral, tendo em conta a incerteza de cada estudo. Depois, também se pode testar a forma como estes resultados variam consoante a espécie, a região e os pressupostos do modelo. Esta abordagem requer a análise de toda a literatura científica disponível, a leitura dos artigos resultantes da pesquisa, a avaliação da sua adequação a critérios predefinidos e a recolha dos dados para uma análise combinada (neste caso, o risco de extinção proporcional e outras informações recolhidas para explicar esses riscos)”, explica Mark Urban.

Para obter uma estimativa das extinções atribuíveis às alterações climáticas, Mark Urban analisou e integrou 5,5 milhões de projecções individuais de 485 estudos, publicados ao longo das últimas três décadas e que abrangem a maioria das espécies conhecidas. Quando iniciou o projecto, o investigador não imaginava que a literatura científica da última década fosse tão prolífica.

“Não estava à espera que tivessem sido realizados tantos estudos nos últimos dez anos. Pensei que poderia acrescentar uma dúzia de estudos a um conjunto de dados já existentes, mas acabei por acrescentar mais de 300 novos estudos. Isso significou dois anos da minha vida passados a procurar, ler e extrair os dados de centenas de estudos”, comenta o autor, numa resposta por escrito.