Síria: rebeldes capturam Hama e ameaçam bastiões do regime e interesses russos

O apoio da aviação russa e a chegada de oficiais russos e iranianos não chegaram para impedir o avanço dos opositores liderados por um grupo islamista. Próximo objectivo é Homs.

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Hafez al-Assad, pai do actual ditador, é uma imagem comum em Damasco Firas Makdesi / REUTERS
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Face aos surpreendentes avanços da ofensiva lançada há uma semana sob liderança dos islamistas do Hayat Tahrir Al-Sham, os analistas mais cautelosos notavam que as forças do regime não tinham desaparecido, mas decidido reagrupar-se em redor da estratégica cidade de Hama, preparando, desde aí e com apoio da aviação russa, a contra-ofensiva. Agora que Hama caiu vai ser mais difícil encontrar análises prudentes: esta conquista abre a porta a progressos em zonas diferentes do país, mais a sul, e deixa a oposição a menos de 200 quilómetros de Damasco.

“De 2011 a 2023, [Bashar al-] Assad perdeu o controlo de duas capitais de província – Raqqa e Idlib. No espaço de oito dias, acabou de perder mais duas”, escreveu na rede X (antigo Twitter) Charles Lister, que dirige o programa da Síria e o de Combate ao Terrorismo e ao Extremismo no think tank Middle East Institute.

Não é só o número de cidades e a rapidez, é o simbolismo e a localização estratégica destas conquistas.

Alepo, capturada a semana passada, é a segunda maior cidade da Síria, capital do Norte, e esteve dividida entre as forças do regime e da oposição entre 2012 e 2016. Reconquistar a sua totalidade foi a grande vitória militar de Assad desde a revolução de 2011, o momento em que provou que podia resistir e permanecer no poder, ainda que graças ao apoio da Rússia.

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Hama foi uma espécie de capital da revolta pró-democrática e funciona como ponto de ligação entre Damasco, todo o Sul do país, e os bastiões do regime, na costa, incluindo Latakia, capital de facto dos alauitas (grupo religioso dos Assad), e a cidade portuária de Tartous, onde a Rússia tem a sua única base naval no Mediterrâneo.

“Os russos sabem que Tartous está em apuros. A 3 de Dezembro, imagens de satélites comerciais revelaram que todos os grandes navios de guerra russos que operam a partir de Tartous – três fragatas de mísseis, um submarino de ataque e dois navios de apoio – tinham desatracado dos três grandes cais do porto e navegado para o Mediterrâneo”, escreveu David Axe, especialista em assuntos militares, no jornal The Telegraph.

Hama caiu apesar de o Irão ter enviado reforços através das milícias que apoia no Iraque e depois de oficiais russos e iranianos se terem juntado aos comandantes sírios, segundo revelou o Observatório Sírio de Direitos Humanos, uma organização anti-Assad que tem uma vasta rede de médicos e activistas no terreno.

Com esta conquista, os rebeldes dificultam muito a capacidade de Assad lançar uma contra-ofensiva, ao mesmo tempo que ficam a 40 quilómetros de Homs – a meio caminho entre Alepo e Damasco, o seu controlo é a chave para isolar a capital síria da região costeira.

Mudança de regime

“Assad não se pode dar ao luxo de perder mais nada. A grande batalha é a que se avizinha contra Homs. Se Homs cair, estamos a falar de uma potencial mudança de regime”, disse Jihad Yazigi, editor da newsletter Syria Report, citado pela agência Reuters.

“Nas últimas horas, com a intensificação dos confrontos entre os nossos soldados e os grupos terroristas... estes grupos conseguiram romper uma série de eixos na cidade e entraram nela”, disse o Exército sírio, assumindo a retirada de Hama e justificando-a com a necessidade de evitar combates urbanos e vítimas civis – uma preocupação pouco compatível com alguns alvos dos bombardeamentos recentes, incluindo o Hospital Universitário de Alepo, atingido no domingo pela aviação síria, e os vários hospitais atacados pela aviação russa na segunda-feira em Idlib.

De acordo com o Observatório Sírio de Direitos Humanos, até quarta-feira tinham morrido pelo menos 704 pessoas, incluindo 110 civis.

Logo depois da admissão de derrota do regime, o líder do Hayat Tahrir Al-Sham, Abu Mohammad al-Jolani, gravou vários vídeos já no interior de Hama, para prometer que esta “será uma conquista sem vinganças”.

O objectivo da entrada em Hama, afirmou o fundador do grupo que esteve ligado à Al-Qaeda até 2016, é “limpar a ferida que perdura na Síria há 40 anos”. Antes do seu papel na revolta que começou em 2011, a cidade já era símbolo de oposição e de massacres, desde que, em 1982, as forças governamentais a cercaram e mataram pelo menos 30 mil pessoas para esmagar uma tentativa de insurreição da Irmandade Muçulmana.

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