Para Portugal, a protecção contra as alterações climáticas não se fica pelo Acordo de Paris
Perante o Tribunal Internacional de Justiça, Portugal pediu clarificação sobre “cooperação internacional” e invocou vários tratados, ao contrário de outros países desenvolvidos.
Portugal apresentou nesta terça-feira a sua intervenção oral ao Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) sobre quais são as obrigações dos Estados em matéria de alterações climáticas, a propósito de um pedido de parecer feito ao tribunal em Março do ano passado pela Assembleia Geral das Nações Unidas. Para Portugal, uma das grandes contribuições do parecer consultivo do TIJ será “clarificar as implicações do princípio da cooperação internacional”.
Ao contrário do que fizeram vários países europeus e outras nações industrializadas ouvidas na primeira semana de audiências, Portugal não se focou apenas no Acordo de Paris. “Muitos desafios das alterações climáticas estão já abordados sob o quadro legal internacional” estabelecido não apenas na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas e no Acordo de Paris, mas também a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, o direito internacional em matéria de direitos humanos ou os instrumentos internacionais de resposta a desastres, que o TIJ deve “analisar e ter em conta, se for o caso, a fim de evitar a fragmentação do direito internacional”.
A intervenção nacional esteve a cargo da directora do departamento de assuntos jurídicos do MNE, Patrícia Galvão Teles, que é também membro da Comissão do Direito Internacional das Nações Unidas. Os relatórios científicos, afirmou a representante de Portugal, colocam o nosso país entre os mais vulneráveis aos efeitos das alterações climáticas. “As obrigações dos Estados devem ser clarificadas e implementadas para que haja uma acção eficaz e ambiciosa que é imperativa, de acordo com a ciência mais avançada, à medida que a janela de acção se vai fechando”, afirmou a especialista portuguesa, apelando a uma leitura mais abrangente do direito internacional — que poderá garantir uma interpretação mais ambiciosa por parte do TIJ.
Esta clarificação, defende Portugal, deve ter também em conta os casos recentes de litigância climática em tribunais nacionais e regionais (incluindo a decisão no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos), assim como outros pedidos de parecer consultivo feitos a outras instâncias, como o Tribunal Interamericano de Direitos Humanos (ainda pendente) e o Tribunal Internacional do Direito do Mar, que declarou que a emissão de gases com efeito de estufa pode ser considerada poluição à luz do tratado que tutela.
Portugal entre países vulneráveis
Este processo do TIJ reuniu uma participação recorde, tornando-se um dos maiores casos analisados pelo tribunal até hoje, com mais de cem países ouvidos na fase de declarações orais.
O Ministério dos Negócios Estrangeiros esclareceu ao Azul que Portugal fez a sua intervenção oral na linha do que submeteu por escrito em Março deste ano, numa intervenção “coordenada previamente com outros ministérios, nomeadamente Ministério do Ambiente e Ministério da Justiça”. O documento, que só foi tornado público ao final da tarde, aborda ainda as questões de jurisdição, que ficaram de fora da intervenção oral de Portugal.
Na sua intervenção, Portugal caracterizou as alterações climáticas como um desafio urgente e global que “levanta questões complexas de políticas ambientais, económicas e sociais”.
Recordando que o direito a um ambiente saudável foi reconhecido pela Assembleia Geral das Nações Unidas, estando contemplado há várias décadas na Constituição da República Portuguesa (se bem que não seja claro que este direito também abranja um clima estável), Patrícia Galvão Teles apelou mesmo a que os outros Estados do Conselho da Europa apoiassem a adopção de um protocolo adicional à Convenção Europeia dos Direitos Humanos sobre o direito autónomo a um ambiente limpo, saudável e sustentável.
Portugal diferencia-se, assim, de países como a Alemanha ou os países europeus nórdicos, que nas suas intervenções deram primazia apenas ao Acordo de Paris, rejeitando que o TIJ deva incluir a jurisdição dos direitos humanos.
Em comunicado enviado ao final da tarde, o MNE relembra que “Portugal apoiou desde o primeiro momento” o pedido de parecer que acabou por ser aprovado por consenso pela Assembleia Geral das Nações Unidas em Março de 2023, fazendo parte do grupo principal que acompanhou o processo negocial liderado pelo Vanuatu. Ecoando o que foi dito perante o tribunal, o MNE reforça que “Portugal espera que este parecer do Tribunal Internacional de Justiça contribua para clarificar as obrigações dos Estados em matéria de alterações climáticas, por forma a permitir uma acção global mais ambiciosa para combater o desafio das alterações climáticas”.
Notícia actualizada para incluir comunicado do MNE