Na semana passada, na Premier League, viram-se arco-íris espalhados pelos estádios, em braçadeiras, bandeirolas, placards, etc. A iniciativa, que ocorre desde 2013, faz parte de uma parceria com a organização LGBTQ+ Stonewall. O objectivo é simples: promover a inclusão no principal escalão do futebol inglês.
Na Europa, em temas LGBTQ+, o futebol masculino continua manifestamente atrasado em relação à sociedade. Apenas um jogador na história da primeira divisão Inglesa se assumiu homossexual: J. Fashanu, em 1990, sob ameaça de ser exposto. Foi renegado pela família, a sua carreira colapsou, suicidou-se em 1998. Segundo a Stonewall, uma em cada quatro pessoas LGBTQ+ não se sente segura ao assistir a eventos desportivos ao vivo.
A adesão dos jogadores à campanha nunca foi obrigatória, mas há a expectativa de que todos participem. Foi assim até à época passada, quando A. Ahmedhodzic, capitão do Sheffield, decidiu não utilizar a braçadeira arco-íris.
Já esta época, S. Morsy, capitão do Ipswich, fez o mesmo e N. Mazraoui, do Manchester United, recusou-se a entrar em campo com um casaco dedicado à campanha. Para que não se sentisse isolado, toda a equipa abandonou o gesto. Ahmedhodzic respondeu apenas “Adivinha!” quando questionado sobre as razões.
O Ispwich e o Manchester United indicaram motivos religiosos (os três jogadores são muçulmanos). M. Guehi, do C. Palace, usou a braçadeira, mas adicionou-lhe mensagens cristãs, segundo ele “de amor, verdade e inclusão”. O seu pai deixou escapar que o filho “não acredita na causa”. Estas tensões são recentes, mas não surpreendentes: a campanha equivalente em França acabou por ser abandonada, após várias ausências nas jornadas em que decorreria.
A secularização das sociedades e um crescente individualismo concedem especial poder ao futebol, um dos mais importantes espaços comuns que resistem. Muitas vezes, as instituições não estão preparadas para o assumir, optando por um impraticável isolamento, que resulta invariavelmente em contradições imperdoáveis, como expulsar equipas russas, mas proibir bandeiras da Palestina, ou espalhar as papoilas das forças armadas Britânicas, mas multar o laço do independentismo catalão.
Aqui, Guehi infringiu as regras ao escrever sobre religião na braçadeira arco-íris. Já esta, necessariamente política e com eventual peso religioso, é permitida e até incentivada. De resto, as instituições que promovem estas campanhas simbólicas são as mesmas que permitem a países que criminalizam a homossexualidade que detenham e patrocinem clubes ou que organizem grandes competições.
Os jogadores também não são isentos de contradições. O fervor religioso não costuma ser o mesmo se, em vez de homofobia, discutirmos infidelidade, jogo, álcool (têm, claro, direito a viver a sua fé como entenderem). A hipocrisia é talvez mais condenável no discurso de vitimização. A maioria dos casos coloca-se com capitães, cujo papel inclui ser embaixador dos clubes fora de campo. Se não concordam com os valores que devem representar, porque é que aceitam ser capitães? Mais, se jogam no campeonato mais exclusivo do mundo, poderiam jogar em qualquer outro, com salários igualmente milionários. Escolheram a Premier League, conhecendo os seus ideais, porque querem beneficiar do seu liberalismo económico. Será que podem ofender-se por lhes ser pedido que pratiquem o seu liberalismo social?
Talvez. Até porque acresce, por exemplo, a possibilidade de sofrerem represálias nos países cujas selecções representam. Também porque não se deve arriscar tornar demasiado ténue a linha com a discriminação religiosa. Mas se não parece sequer legal pedir a alguém que escolha entre as suas crenças e o seu cumprimento profissional, também não é viável instituições cívicas e alguns trabalhadores deixarem de afirmar os seus princípios porque outros não os subscrevem, como aconteceu com o Man. United.
Queremos respostas fáceis, mas é mesmo capaz de haver “mais política no futebol do que na política”, como disse Sven-Göran Eriksson. E a política implica nuance, subjectividade e tomada de posição. Quem o ignora continua, de incongruência em incongruência, tentado equilibrar as susceptibilidades que fere, conforme lhe convém. Também é uma forma de fazer política. E, como na política, se quem reconhece a complexidade se retira porque é duro ou caro lidar com ela, o espaço abre-se para quem oferece respostas fáceis.