Apoio pedagógico: não tentem tapar o sol com a peneira!

Não é difícil perceber que os primeiros alunos a serem atingidos pela falta de apoio são os oriundos de famílias com menos recursos económicos, que não têm possibilidade de pagar explicações.

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"É difícil perceber que se insista numa medida que comprovadamente não resulta" Paulo Pimenta
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A falta de apoio pedagógico destinado aos alunos com dificuldades escolares foi uma das principais razões apontadas para os resultados desastrosos obtidos pelos estudantes portugueses nos últimos estudos internacionais agora divulgados. Acontece que esta falta de apoio não foi devida à inexistência de planos de recuperação das aprendizagens. Planos até havia. Professores para os pôr em prática é que não.

Com a crescente falta de docentes, a primeira valência que ficou comprometida foi precisamente a do apoio pedagógico. Não é difícil de perceber porquê: quando rareiam os recursos, primeiro há que assegurar as turmas e, só depois, o apoio pedagógico. E mesmo que inicialmente os horários de apoio sejam atribuídos, se no decorrer do ano letivo for necessário assegurar a substituição de docentes, são os professores de apoio que estão na linha da frente para o fazer.

Também não é difícil de perceber que os primeiros alunos a serem atingidos pela falta de apoio pedagógico são os oriundos de famílias com menos recursos económicos, que não têm a possibilidade de pagar explicações, o que agrava as desigualdades sociais. Sabendo que a aprendizagem é sequencial, também não é difícil de perceber que as dificuldades não colmatadas atempadamente são comparáveis ao efeito da bola de neve, tornando-se cada vez maiores e comprometendo as aprendizagens subsequentes.

O que já é mais difícil de compreender é a medida agora anunciada para colmatar a falta de professores de apoio, a partir de 2025: nada mais nada menos do que contar com professores aposentados, em regime de voluntariado, para desenvolver tutorias psicopedagógicos com os alunos do 1.º ciclo.

Esta medida dá continuidade a uma anteriormente anunciada, de aliciar professores aposentados para dar aulas nos grupos de recrutamento mais carenciados, mediante uma compensação económica equivalente ao vencimento de um professor em início de carreira. O resultado apurado de 55 docentes aposentados que aderiram a esta medida não pode ser considerado como um sucesso. Quando faltam milhares de profissionais, este número só pode corresponder a um fracasso.

Assim, além de se tornar difícil perceber que se insista numa medida que comprovadamente não resulta, ainda se torna mais difícil entender que, desta vez, se procure ir mais longe, apostando na gratuitidade da mão de obra. Este pressuposto levanta outra questão que não é de somenos importância: é legítimo esperar que os docentes aposentados regressem às escolas em regime de voluntariado? É que, se o fosse, poderíamos concluir que esta medida é fácil, é barata e… dá milhões. Que tal estendê-la também a médicos, enfermeiros e todos os outros sectores onde haja carência de profissionais?

Esta medida tem um forte senão: assenta única e exclusivamente na boa vontade de professores que já deram muito ao sistema educativo, ao longo de 40 ou mais anos de trabalho. Será que já se ponderou na hipótese de os professores aposentados não desejarem dedicar-se ao voluntariado? E, não sendo expetável que o desejem, será que estão previstas outras medidas, de eficácia mais garantida, para dar resposta a um problema com um impacto tão nocivo nas aprendizagens dos nossos alunos?

É precisamente esta a questão que me inquieta de sobremaneira: é que se esta medida — que não é expetável que resulte — efetivamente não resultar, não está em cima da mesa nenhuma outra. Mas, nesse caso… qual é a solução? Pois, esse é o verdadeiro problema: o facto de não se conseguir vislumbrar, pelo menos no imediato, uma solução.

No entanto, em vez de perder tempo a tentar tapar o sol com a peneira, apresentando soluções nas quais ninguém acredita — pelo simples facto de não serem credíveis — pode ser mais honesto admiti-lo. Pelo menos, é um ponto de partida sério para discutir o problema da falta de professores, que agrava a carência de professores de apoio.

O que não é mesmo nada difícil de perceber é que o tempo urge.


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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