Quase 500 reclusos do Linhó estão sem água desde domingo

Nos últimos cinco dias, reclusos receberam duas garrafas de litro e meio de água. Sanitas não podem ser usadas, o que leva reclusos a recorrer a sacos para cumprirem as necessidades fisiológicas.

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No estabelecimento prisional de Linhó aglomeram-se perto de 500 reclusos Paulo Pimenta (arquivo)
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Os perto de 500 reclusos do Estabelecimento Prisional do Linhó estão sem água desde domingo. Nos últimos cinco dias, e segundo adiantou ao PÚBLICO Vítor Ilharco, secretário-geral da Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso, “deram duas vezes uma garrafa de litro e meio de água aos reclusos”.

“Estamos a falar de perto de 500 reclusos, muitos dos quais diabéticos”, enfatizou Ilharco, para explicar que, como não há água para assegurar as descargas das sanitas, “os reclusos têm feito as necessidades fisiológicas em sacos plásticos que depois atiram fora pelas janelas”.

Acresce que, como o bar da prisão está fechado devido à greve dos guardas prisionais, “os reclusos nem que quisessem comprar a água, não o conseguem fazer”.

Na manhã desta sexta-feira, o director-geral das prisões, Orlando Carvalho, passou pela cadeia e a Câmara de Cascais terá feito deslocar ao local um camião-cisterna. “Distribuíram alguma água pelos reclusos, mas não deu para todos”, descreveu. "Ninguém nos soube dizer até agora onde é que está a origem do problema", acrescentou, para, exasperado, concluir: "Se estivéssemos a falar de animais sem água, o PAN já estaria a falar disto na Assembleia da República, como é de reclusos que estamos a falar, parece que o problema não existe."

Ruptura na canalização

Segundo adiantou ao PÚBLICO, a Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) esta interrupção no abastecimento de água deveu-se a uma ruptura na canalização que abastece o Estabelecimento Prisional do Linhó, que foi já reparada, o que permitiu a reposição do fornecimento de água àquela cadeia cerca das 16h00 horas de dia 18. "Por volta das 19h00 desse mesmo dia", porém, "verificou-se que não se conseguia ter, em simultâneo e em todos os espaços prisionais, o mesmo fluxo de água", ressalva aquele organismo, explicando que, para que os reclusos de uma ala pudessem tomar banho e abastecer-se de água, "os de outra ala tinham pouca pressão nas torneiras".

"Constatado este novo, e distinto, problema iniciaram-se de imediato trabalhos para procurar a sua causa e se proceder à respectiva reparação", adianta a DGRSP, assegurando que foram entretanto "tomadas todas as diligências", não tendo sido possível, contudo, evitar que todos os reclusos tenham acesso a água "em simultâneo e com a pressão adequada". Ou seja, "não se verifica corte total de água, mas sim o seu racionamento e distribuição seccionada".

A DGRSP alerta que "por motivo dos trabalhos que estão em curso, poderá ter haver lugar a cortes selectivos e temporários do abastecimento", dizendo confiar que "este novo problema seja resolvido a qualquer momento".

"Quer a direcção quer a chefia de guardas têm, desde o inicio da situação, explicado aos reclusos os problemas existentes e as diligências que estão a ter lugar para os resolver", garante ainda aquele organismo, para esclarecer que "está a ser distribuída água engarrafada a todos os reclusos do estabelecimento prisional, os quais, para uso sanitário, têm enchido recipientes nas torneiras dos pátios".

Portugal condenado em Estrasburgo

O estado das cadeias custou ao Estado português, entre 2018 e 2024, cerca de 823 mil euros, entre condenações e acordos amigáveis com os reclusos forçados pelas suas queixas no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. São condições de alojamento que chegam a incluir o convívio com roedores, em celas bolorentas onde se defeca à frente do parceiro por não haver sequer cortinas que resguardem o mínimo de privacidade.

Em Janeiro passado Portugal foi uma vez mais sentenciado, na sequência das reclamações de um recluso, que além da infestação por ratos, baratas e percevejos, mencionava os problemas de falta de privacidade: a sanita instalada no cárcere não tinha qualquer cortina. Os banhos, esses eram quase sempre de água fria. “Mas o pior é a alimentação: servem aos reclusos carne e peixe podre e quem quiser complementar a magra dieta tem de recorrer aos produtos vendidos na cantina a um preço proibitivo”, descrevia na altura o seu advogado, Vítor Carreto. O seu cliente partilhava uma cela de 6,85 metros quadrados com outro preso e, apesar de sofrer de insuficiência cardíaca e de diabetes, nunca recebeu a devida assistência médica.

Em causa está a violação dos artigos 3.º e 13.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, que estipulam que ninguém pode ser sujeito a tortura ou tratamento desumano ou degradante. Outra condenação ocorrida também este ano diz respeito a três reclusos do Estabelecimento Prisional de Lisboa – Solomon Mgbokwere, Fagner Souza e Alberto Dias Ferreira –, cujas celas onde tinham entre dois e 3,72 metros quadrados, com uma sanita partilhada. "De acordo com a jurisprudência do Tribunal Europeu, esta situação é inaceitável. Por conseguinte, as condições de detenção excederam o nível inevitável de sofrimento inerente à detenção e ultrapassaram o limiar de gravidade", escreveram os juízes de Estrasburgo.

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