Nem exagerada, nem “problemática”: o peso da emigração jovem em Portugal está em linha com a de outros países

Os números têm limitações, mas a emigração dos jovens portugueses está em linha com a de outros países. Desde 2017, 1% dos jovens com idades entre os 20 e os 34 anos saem do país, anualmente.

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“Não andamos com um chip que contabiliza sempre que passamos a fronteira e saímos do país”, lembra Maria João Valente Rosa, demógrafa e professora da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (FCSH-UNL). E é por isso mesmo que também não nos entendemos em relação aos números da emigração jovem.

O Observatório da Emigração, por exemplo, diz-nos que 30% dos jovens nascidos em Portugal vivem fora do país; já Mário Centeno garante que “o país vive focado numa realidade que é descrita com números enganadores” e que “Portugal tem conseguido ser um receptor líquido de diplomados”. Afinal, quem tem razão? O que sabemos sobre a emigração?

Vamos por partes. “Quando saímos com intenção de ir residir noutro país, não temos de dar contas a ninguém”, começa por enquadrar Maria João Valente Rosa. Por isso mesmo, “é difícil contabilizar os valores [de emigrantes] e medir a mobilidade de uma forma exacta”. Uma das poucas formas de “nos aproximarmos desses números” é “olhando para os países de acolhimento, já que muitas vezes as pessoas estão registadas nos consulados, por exemplo”.

Foi isso mesmo que o Observatório da Emigração fez: olhou para os países de destino dos portugueses que disponibilizam dados sobre eles, extrapolou esse número para os restantes países de destino e comparou-os com a população residente em Portugal com essas idades. Estimou, assim, que 30% dos nascidos em Portugal com idades entre os 15 e os 39 anos estão a viver, actualmente, noutro país. O que representa um universo de mais de 850 mil pessoas.

Mas, salvaguarda a demógrafa, o que este número nos diz é apenas que “30% dos jovens [com aquelas idades] vivem num país diferente daquele onde nasceram”. Não nos diz, por exemplo, quando é que eles emigraram: “Podem ter saído logo a seguir ao nascimento, com os pais, terem 20 anos e já estarem nesse país há 20 anos.” Nesses 30% podem estar também pessoas que “entraram cá em tempos, são de nacionalidade estrangeira e que, depois, saíram”.

Há outro factor importante para enquadrar os números da emigração. Dentro do grupo dos emigrantes permanentes, de que estamos a falar (que deixam o país com intenção de residir noutro durante, pelo menos, um ano), há também pessoas que saíram do país com intenção de emigrar temporariamente (por um período igual ou inferior a um ano), mas que, depois de lá estarem, por diferentes circunstâncias, acabaram por decidir prolongar a estada e tornaram-se emigrantes permanentes. E podem também abarcar pessoas que tiveram uma experiência migratória, mas entretanto regressaram.

O sociólogo Pedro Góis aponta o Reino Unido como exemplificativo desta realidade: “A nossa emigração para lá estancou com o 'Brexit'. Muitos dos que lá estavam, mas ainda não tinham os seus processos de legalização completos, tiveram de regressar.” Em suma, da mesma forma que “ninguém se regista para sair”, também “ninguém se regista quando volta”.

Os números

Tendo em mente esta limitação nos números, olhemos para o que sabemos, a começar pela evolução da taxa de jovens emigrados registada pelo Instituto Nacional de Estatística (INE).

Os dados dizem-nos que, em 2023, 18.897 dos jovens com idades entre os 20 e os 34 anos emigraram. Num universo de quase 1,7 milhões de pessoas nessas faixas etárias, significa que a percentagem de emigrados é 1%.

Os principais destinos dos portugueses foram, em 2022, e segundo o Observatório da Emigração, Espanha, França, Suíça, Reino Unido, Alemanha e Países Baixos. O Reino Unido era, antes do "Brexit", o principal destino da emigração portuguesa – mas caiu mais de 40%, ou seja, para pouco mais de metade.

Se recuarmos cinco anos, até 2017, foram 15.963 jovens a emigrar, num total de 1,6 milhões, que corresponde, igualmente, a 1%. Foi esta a taxa que se manteve ao longo de todos os anos nesse intervalo, com o número absoluto de emigrados a ser mais baixo em 2020, ano da pandemia de covid-19. Apenas 12.836 jovens emigraram nesse ano.

Em 2021, o número aumentou para os 13.569, e em 2022 para os 16.841 – o que corresponde igualmente, em termos percentuais, a 1%. Se recuarmos dez anos, até 2013, em pleno período da troika em Portugal, os números são mais altos: chegam aos 2%, com 28.652 jovens a emigrarem nesse ano.

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Comparemos agora o número de jovens emigrantes com o número global de emigração. De 2022 para 2023, houve um aumento de 8,8% na emigração geral; nos jovens, o aumento foi superior, de 12,2%. Se virmos o período dos cinco anos acima analisado, a variação é a seguinte: entre 2017 e 2023 houve uma variação de 2% de emigrantes a nível global; no caso da faixa etária 20-34 anos, a variação foi superior, fixando-se nos 18,3%.

Filipa Pinho, professora auxiliar do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do Iscte (Cies-Iscte), salvaguarda que nada disto “é surpreendente”: “As pessoas, quando migram, estão em idade activa, migram para trabalhar ou estudar.” As migrações mais tardias, como acontece com os ingleses que procuram o Algarve na idade da reforma, são mais raras, aponta.

Podemos também comparar a taxa de emigração jovem portuguesa com a de outros países europeus — e está em linha com os restantes. Em França, Alemanha, Itália ou Países Baixos, a taxa de emigração de jovens entre os 20 e os 34 anos de idade foi, em 2022, 1%, tal como a de Portugal. Já Espanha e Bélgica atingiram, no mesmo ano, os 2%.

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Filipa Pinho traz ainda mais números para a mesa: “Em 2020, 40% das pessoas que saíram de Portugal tinham entre 20 e 29 anos. Na Dinamarca, foram 48,5%. Nos Países Baixos foram 36,8% e na Alemanha 25,8%.” Continuamos, portanto, alinhados — ou até com números mais baixos.

Podemos, posto isto, considerar que há um problema de emigração em Portugal? Ou que, pelo contrário, como afirmou Mário Centeno, temos conseguido “ser um receptor líquido de diplomados”?

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"Receptor líquido" de formados

Filipa Pinho questiona “o que é ser problemático”. “Eu nunca vi a emigração como uma coisa problemática, porque inclusivamente há estudos que dizem que cada vez mais pessoas circulam, ou seja, também há pessoas a regressar e imigrantes a entrar, o que acaba por compensar.”

Foi também isso que Mário Centeno referiu. Na conferência do Banco de Portugal dedicada à educação e qualificações, em Novembro último, o governador afirmou que, nos últimos oito anos, a população activa com formação superior aumentou, em média, 70 mil indivíduos por ano e que, das universidades portuguesas (públicas e privadas) saem, por ano, pouco mais de 50 mil, o significava que o país conseguia ser um “receptor líquido” de formados.

Os números são factuais. Dados do INE mostram que em 2016, há oito anos, havia no terceiro trimestre do ano, entre a população activa, 1,3 milhões de licenciados. Os números progrediram da seguinte forma: em 2017, existiam 1,317 milhões de licenciados no período homólogo (mais 10 mil do que no ano anterior); em 2018, eram 1,374 milhões (mais 57 mil); em 2019, 1,451 milhões (mais 77 mil); em 2020, 1,520 milhões (mais 69 mil); em 2021, 1,647 milhões (mais 127 mil); em 2022, 1,687 milhões (mais 40 mil); em 2023, foram 1,709 milhões (mais 22 mil) e, no terceiro trimestre deste ano, o número fixou-se nos 1,834 milhões (mais 125 mil).

Feitas as contas, a média de crescimento de licenciados é de quase 66 mil por ano.

Quanto ao número de diplomados, dados da Pordata mostram que, em 2016, saíram das universidades portuguesas cerca de 46 mil licenciados. Esse número tem vindo a crescer até hoje, mas ronda sempre os 50 mil. Em 2022, o último ano que consta nos dados, o número de licenciados fixou-se nos 53 mil.

Se olharmos para a população activa, verificamos que houve também um crescimento nos últimos oito anos: no terceiro trimestre de 2016 fixava-se nos 5,033 milhões e, no período homólogo de 2024, está nos 5,475 milhões, um aumento de 442 mil indivíduos.

Os imigrantes podem estar a contribuir para este aumento do stock de licenciados na população activa e até a substituir os licenciados que saem, mas não há dados concretos que alicercem esta dedução, porque não há informação relativa ao nível de escolaridade dos imigrantes.

O que o INE nos diz sobre as qualificações de quem migra é apenas sobre emigrantes: de acordo com os dados oficiais, entre os permanentes com 15 ou mais anos de idade, 47,6% dos que saíram em 2021 (último ano disponível) tinham ensino superior. Em 2017 foram 28,7%; em 2018, 40%; 2019, 42,3% e 2020, 34,2%.

O Observatório da Emigração diz o seguinte: “Conhecendo-se a composição recente das saídas para estes países, é muito provável que se tenha mantido a heterogeneidade social da emigração portuguesa, envolvendo quer trabalhadores com baixos níveis de qualificação, maioritários nos fluxos para França e Suíça, quer profissionais com qualificações superiores, nos fluxos para Países Baixos e Escandinávia.”

“A verdade é que a população que conseguimos ver a partir dos quadros de pessoal ou que está na Segurança Social tem-se alterado e não são todos estrangeiros”, enquadra Pedro Góis. “É provável que sejam portugueses que tiveram experiências migratórias e regressaram e estão a ser contratados pelas empresas. Também há alguns estrangeiros, os tais 20 mil licenciados [a diferença entre os 50 mil licenciados e os 70 mil que integram a população activa, que Mário Centeno menciona] que estão no mercado de trabalho português, mas não quer dizer que estejam a exercer profissões qualificadas. Quer dizer que têm um grau de ensino superior e estão em Portugal a trabalhar.”

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