O Quarto ao Lado: um filme que é um poema sobre a morte

A vida é bonita porque finda — é essa a poesia deste filme. E é precisamente por isto que a arte faz muita falta à acção climática.

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O Quarto ao Lado, o mais recente filme de Pedro Almodóvar e o primeiro falado em Inglês, é uma viagem cinematográfica que me levou a refletir não apenas sobre as causas que defendo, mas também sobre as pessoas que encontro nesta luta.

O filme aborda o direito a uma morte digna, uma luta travada, como é característico de Almodóvar, por mulheres fortes.

A morte continua a ser um tabu nas sociedades ocidentais e não posso deixar de pensar que isso se deve, em parte, à sociedade de consumo. Vivemos na ilusão da eternidade, alimentada pela promessa da amortalidade. No entanto, a amortalidade, por mais avançada que seja a medicina, não é sinónimo de imortalidade; os acidentes podem acontecer.

A narrativa de amortalidade ou evitamento da nossa finitude, defendo, é aliada da sociedade de consumo.

Acumular bens materiais não é prioridade para quem reconhece a sua efemeridade. A vida é finita e essa consciência pode levar-nos a viver melhor, valorizando experiências em detrimento de bens materiais.

Há no filme vários apontamentos sobre alterações climáticas e é aqui que quero levar o leitor. Se ainda não o viu, sugiro que guarde este artigo para mais tarde — mas prometo não revelar spoilers importantes caso queira continuar. O guião é, em si, a crónica de uma morte anunciada. Não pretendo discutir a ciência das alterações climáticas, mas sim o sentimento que elas provocam na sociedade. Creio que este filme abre as portas a essa reflexão muito importante que não estamos a ter.

O primeiro apontamento surge logo ao início, quando Martha (Tilda Swinton), deitada na cama do hospital, diz à amiga Ingrid (Julianne Moore) que "teria de haver algo positivo nas alterações climáticas". Svante Arrhenius, sueco, que no século XIX demonstrou que a subida de CO2 na atmosfera leva a um aumento de temperatura, também se mostrara contente com a descoberta prometendo que o seu país em breve seria mais quente e o Báltico um desejado destino de Verão.

Claro que sobre as alterações climáticas não há nada de bom, e ninguém no filme acredita nisso. Mas "há diferentes formas de viver uma tragédia", como se ouve no filme a dado momento.

A esmagadora maioria das pessoas que comigo partilham preocupações climáticas vivem num estado de agonia, terror, revolta e até pânico que, embora justificado, é contraproducente. Este estado de alma é ilustrado no filme durante um almoço. Um amigo de Ingrid e Martha, ativista climático interpretado por John Turturro, confessa problemas graves na relação com o filho porque quis ter o terceiro neto.

Fiz um doutoramento em alterações climáticas e não subscrevo este tipo de niilismo que nos leva a acreditar que a única maneira de resolvermos a crise climática é vermo-nos livres de quem a criou. Essa não é uma lição de responsabilidade. Claro que a população humana tem de atingir um equilíbrio com a natureza e tal irá acontecer quando tivermos mais mulheres nas escolas e universidades. Mais mulheres emancipadas. Menos dependência no extrativismo e menos obsessão com o crescimento. Mas isso não tem de ser sinónimo de um radicalismo anti-humanista.

Mais uma vez compreendo a frustração e o desespero. Mas falta a alguns companheiros de luta a magia e a poesia de saber viver apesar da crise. A vida é bonita porque finda — é essa a poesia deste filme. E é precisamente por isto que a arte faz muita falta à acção climática. Sabermo-nos humanos, capazes do melhor e do pior, tem de estar na consciência de cada um de nós.

E saber viver também tem de passar por saber morrer. Custa-me pensar que ainda vivemos numa sociedade onde a eutanásia é crime. O filme é sobre um enorme gesto de compaixão — acompanhar alguém no seu desejo final — o que, aos olhos da lei, é ser-se cúmplice desse crime. Qualquer pessoa tem o direito a compor o seu réquiem.

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