Floresce a venda de oliveiras centenárias e milenares. Para criar um azeite diferente

A venda de oliveiras como produto ornamental já não tem a dimensão que teve após a desmatação em Alqueva. Agora a procura voltou a ser a produção de azeite. Para nichos de mercado.

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Oliveira das Mouriscas tem 3350 anos e produz duas qualidades de azeitona Câmara Municipal de Abrantes/DR
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Desenraizar oliveiras que há séculos assistiam ao desenrolar do tempo nas paisagens portuguesas para as levar para outras paragens para aí fazerem parte de uma qualquer decoração é um negócio que está a perder terreno para outro que começou a ser muito mais interessante: manter a produtividade destas árvores e com o fruto que produzem criar um azeite que difira do que provém das monoculturas intensivas que invadiram o mercado.

Foi com o processo de desmatação da área hoje ocupada pelos 25 mil hectares do regolfo de Alqueva que se começou a transplantar oliveiras centenárias e milenares do seu habitat natural para outros locais distantes, a centenas e até milhares de quilómetros, como Espanha, França, China ou Dubai, essencialmente. Terão sido abatidas, a partir de 2001, cerca de 540 mil azinheiras, 150 mil eucaliptos, 140 mil oliveiras e 30 mil sobreiros e, de entre estas, foram sobretudo as oliveiras que foram transplantadas para fins ornamentais. A sua recuperação para venda como árvores decorativas de jardins públicos, privados, adegas, lagares, campos de golfe ou hotéis permitiu que fossem salvos milhares de oliveiras centenárias.

Mas mais recentemente está a ser dada outra funcionalidade às oliveiras antigas: “Temos encomendas de 50, 100 e até de 200 oliveiras centenárias e milenares para fazer azeite em Portugal”, revelou ao PÚBLICO Micael Ferreira, proprietário da empresa Oliveiras Centenárias, sediada em Pombal.

O empresário, que em 2022 vendia oliveiras para Espanha, França, Alemanha e Itália, e na sua página online anunciava que tinha, nos seus viveiros, uma reserva de 1000 oliveiras, refere que “já não há grande procura fora de Portugal, apenas enviámos duas cargas (40 exemplares) para uma empresa de jardinagem em Itália porque as nossas árvores são bem tratadas e têm o devido passaporte fitossanitário”, apesar de no país transalpino estarem contabilizados 30 milhões de oliveiras, com mais de mil anos, abandonadas.

Uma possível explicação para esta mudança foi avançada ao PÚBLICO por Nuno Rodrigues, investigador no Instituto Politécnico de Bragança (IPB). “O mercado começa a ficar saturado com as mesmas variedades de oliveiras, onde se destaca a catalã Arbequina, que preenche a esmagadora maioria das explorações que plantaram novo olival nos países do Mediterrâneo”, onde estão os maiores produtores de azeite, entre os quais, Portugal. E o resultado é a “pouca diferenciação que temos” neste óleo vegetal.

Perante esta constatação, “compreendo que se queira regressar às oliveiras centenárias e milenares em busca de novos lotes de azeite produzido nestas oliveiras, que nos permite obter um produto diferente e consequentemente mais caro”, adequado para nichos de mercado mais exigentes, acrescenta.

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ADRIANO MIRANDA

Variedades desconhecidas

É neste sentido que um consórcio liderado pelo Instituto Politécnico de Bragança (IPB), e de que fazem parte o Centro de Investigação de Montanha, a Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto e a Fundação Côa Parque, está, há quatro anos, a estudar e a caracterizar 150 oliveiras centenárias de vários olivais seleccionadas na região do Vale do Côa.

O trabalho de investigação, adianta Nuno Rodrigues, tem sido realizado em 150 oliveiras centenárias, que foram estudadas e catalogadas na região do nordeste transmontano. “Sabíamos que havia muitos exemplares, mas fomos encontrar mais do que aqueles que esperávamos, e cuja variedade é desconhecida” observa.

Em cada árvore foi feito um estudo biométrico do tronco e da copa e procedeu-se à caracterização morfológica da folha, fruto e caroço para se recolher todas as informações necessárias relativas às características das oliveiras do Vale do Côa. “Após este estudo foram colhidas as azeitonas de cada oliveira e extraído o seu azeite para estudar as suas características organolépticas”, explicou o investigador do IPB, realçando o trabalho complementar que, entretanto, foi sendo realizado: Durante o estudo efectuámos ainda um levantamento de lendas e histórias do território onde se encontram estas oliveiras centenárias.”

O projecto de investigação, designado Olivecoa, possibilitou a identificação dos perfis dos azeites recolhidos. “Desta forma, identificámos azeites com sabor ou cheiro a abacaxi, cereja e ameixa”, características organolépticas que não são identificadas noutros azeites fora da região do Vale do Côa.

Velhinhas mas produtivas

Mais a sul, muito perto da central térmica do Pego, já encerrada, encontra-se a oliveira mais antiga da Península Ibérica. Continua de pé e a produzir azeitona na freguesia de Mouriscas, concelho de Abrantes, revelando um estado vegetativo que permite manter a esperança que conseguirá acrescentar mais uns séculos à sua tão longa existência se, entretanto, as acções do homem não a reduzirem a lenha.

A datação foi cientificamente comprovada em 2016 pelo professor da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) José Luís Louzada, que descobriu a única forma existente a nível mundial para datar árvores antigas quando o seu interior se encontra oco, como é o caso das oliveiras milenares.

Para a pesquisa do novo método de datação foram decisivas as obras da barragem de Alqueva e a construção de auto-estradas no Alentejo, refere o docente, salientando a necessidade que houve em “derrubar muitas centenas de árvores, que ficaram disponíveis para elaborar o estudo, durante mais de uma década de trabalho”.

O investigador da UTAD já conta no seu currículo “largas centenas de oliveiras datadas”. A descoberta de um sistema de datação deu sequência a uma maior atenção e interesse em preservar o património natural constituído por oliveiras antigas. “As pessoas passaram a ter orgulho de ter na sua posse uma árvore com mais de mil anos” referiu ao PÚBLICO Luís Louzada.

A experiência que tem colhido revela-lhe como de uma oliveira decrépita que se encontrava abandonada e sem qualquer préstimo, depois de um tratamento adequado, em que se procede ao corte dos elementos da árvore já apodrecidos, quando é transplantada, “rejuvenesce e recupera o vigor e a sua capacidade produtora de azeitona”.

E nas suas andanças pelo país, na tarefa de datação de oliveiras, confirma o aproveitamento crescente da azeitona produzida por antigos exemplares. Um exemplo: os proprietários de uma unidade turística instalada em Reguengos de Monsaraz pediram ao investigador que datasse algumas centenas de árvores de um olival que existe na herdade. “Viemos a confirmar serem contemporâneas da presença romana”, salienta o investigador da UTAD. O olival recuperado está a produzir azeite, que é vendido aos clientes da unidade hoteleira, uma iniciativa que “está a ser bem-sucedida”, acrescenta.

Mas ao contrário do que possa pensar, o azeite no período romano “era, sobretudo, utilizado como combustível para a iluminação, nos rituais religiosos, na produção de produtos de beleza e pelos gladiadores, que besuntavam o corpo com este produto” para obterem alguma vantagem nas lutas corpo a corpo.

Na região italiana da Apúlia, onde a bactéria Xylella fastidiosa já infectou mais de 4 milhões de árvores, tornando-as improdutivas, estão muitos hectares de oliveiras milenares que deram origem ao azeite consumido à mesa do imperador Adriano, realça um comunicado do Consórcio Olivícola Italiano (Unaprol). E que continuam a produzir.

Na Europa, mais precisamente na ilha de Creta persiste uma oliveira que é mais antiga que as famosas sequóias americanas e que terá sido plantada pelo menos no ano 900 a.C. Desde 1997, é considerado um monumento natural protegido pela Associação dos Municípios Cretenses e alguns ramos desta árvore milenar foram usados para tecer as coroas dos vencedores dos Jogos Olímpicos de Atenas em 2004 e dos de Pequim em 2008. Ainda hoje, esta árvore produz, em média, 150 quilos de azeitona por ano, que serve também para fazer azeite.

Recuperar as milenares

Na realidade, a quase totalidade das árvores milenares “são zambujeiros, também conhecidos por oliveiras bravas, que foram enxertadas” para produzir um fruto maior e desta forma obter mais volume de azeite, refere José Louzada, salientando a “capacidade de regeneração praticamente infinita” desta espécie.

A oliveira das Mouriscas, que uns consideram até como a mais antiga do mundo, é originariamente um zambujeiro que foi enxertado e está a produzir duas qualidades de azeitona. Quando se suspeitou que poderia ser a mais velha de Portugal, um grupo de cidadãos desta freguesia pediu que a árvore fosse datada e certificada. O investigador da UTAD, juntamente com a empresa Oliveiras Milenares, fizeram a recolha dos elementos e foi confirmado que tem 3350 anos. O certificado foi atribuído em Setembro de 2016.

Este exemplar serviu de referência à empresa de energia espanhola Endesa e à organização não-governamental Apadrinha uma Oliveira para avançar com a recuperação de 70.000 oliveiras centenárias na Península Ibérica, através da iniciativa Transição Justa. Em 2023 foram recuperadas 2074 oliveiras (1000 no principado de Andorra e 1074 no Pego) e ainda se angariaram cerca de 1100 padrinhos, que contribuíram com 66 mil euros para o projecto, e em troca receberam 2220 litros de azeite.

Para apadrinhar uma oliveira basta pagar uma contribuição anual de 60 euros, escolher uma oliveira abandonada, baptizá-la e visitá-la sempre que se queira. Em troca recebe-se dois litros de azeite virgem extra por ano.

Um novo fenómeno parece assim estar a ganhar corpo: para salvaguardar um património natural milenar que está a desaparecer para dar lugar ao novo olival, que demorará entre 15 e 25 anos para produzir azeitona, ao contrário das variadas tradicionais, que continuam a produzir azeitona ao fim de milhares de anos, estão a surgir novas iniciativas e experiências. Passam pela revitalização dos olivais antigos, que produzem um azeite com características organolépticas diferentes e cuja venda ajuda a manter núcleos de oliveiras milenares. O propósito ornamental, que presidiu ao transplante de milhares de oliveiras antigas, parece estar a ser substituído por objectivos ambientais.