Quem leia com alguma regularidade os textos dos críticos do PÚBLICO registará uma espécie de enamoramento destes pelos vinhos da sub-região alentejana de Portalegre. E a tese resume-se assim: são vinhos mais frescos, elegantes e longevos, resultantes, em parte, de cepas velhas de pequenas parcelas, dos solos graníticos e da altitude onde estão as vinhas, nalguns casos a 700 metros.
Ora, a melhor forma de tirar as coisas a limpo é dar um salto a Portalegre no próximo fim-de-semana, onde vai decorrer a terceira edição do encontro Vinhos de Altitude — Serra de São Mamede. Na igreja de São Francisco — que melhor espaço se arranjava? — será possível provar vinhos de 20 produtores, com tintos, brancos, rosés, espumantes ou talhas de diferentes estilos. É o que se pode chamar uma verdadeira festa para a descoberta da singularidade dos vinhos de Portalegre.
De facto, a localização das vinhas em altitude (umas velhas, outras na fase adulta e outras jovens), a profusão de castas e os solos graníticos são responsáveis por vinhos alentejanos com alma própria, mas o que é interessante é que, na igreja, poderemos estar perante produtores que procuram com afinco só mostrar essa identidade do terroir, produtores que fazem isso e, também, vinhos de perfil mais cosmopolita ou, ainda, produtores que só estão interessados em vender vinhos de Portalegre com castas que tanto são do Douro como de Bordéus ou da Borgonha. Há de tudo e ninguém se chateia.
Claro que os vinhos de Portalegre que encantam são aqueles que não conseguimos identificar as castas. Aqueles que nos desafiam porque não são óbvios. E isso é assim por causa das vinhas velhas, onde as castas estão no sistema de tudo ao molho e fé em Deus. É por isso que, neste território, se leva a sério o conceito de vinho de parcela, que devia ser mais trabalhado do ponto de vista de comunicação.
A ideia da Câmara Municipal de Portalegre e da Entidade Regional de Turismo do Alentejo e Ribatejo é, também, mostrar e recordar que, segundo a autarca Fermelinda Carvalho, “o distrito de Portalegre — com vinte e poucos mil habitantes — já foi considerado o território europeu com maior quantidade e diversidade de produtos qualificados da Europa. Ou seja, produtos com denominação de origem protegida”.
A autarca fala no passado porque, por diferentes razões, alguns desses produtos abandonaram os mecanismos de qualificação (ou certificação, numa linguagem mais popular). De facto, se tivermos em conta o vinho, o azeite, as frutas, os enchidos, os queijos e a doçaria, Portalegre é uma região com uma riqueza alimentar impressionante.
Que essa riqueza está longe de ser abordada de forma integrada para atrair turistas, isso é algo que Fermelinda Carvalho reconhece: “a nossa obrigação é, com tempo e com estratégia, recuperar esse património que atrai nos mercados interno e externo. Num território onde a produção animal vale mais do que o sector do vinho, é este que tem capacidade de atrair gente e activar a restauração, a hotelaria e outros pequenos negócios à volta dos tais produtos que ou são ou já foram qualificados — ninguém vem cá ver vacas, isso já sabemos”.
Depois, a orografia da cidade, o património edificado, a restauração, os museus, a arte da tapeçaria e a serra de São Mamede, com uma paisagem distintiva por via das culturas em sistema de consorciação, com destaque para a vinha, o olival e outras árvores de fruto (com destaque para as cerejeiras de S. Julião), são — ou deviam ser — factores de atracção enoturística. Devíamos ir a Portalegre como vamos a Évora ou ao Douro, à procura de experiências que juntem vinho, gastronomia e património edificado. Para um lisboeta, Portalegre está a pouco mais de duas horas de distância.
No Vinhos de Altitude — Serra de São Mamede, estarão presentes os produtores Adega de Portalegre Winery, Adega Mayor, Altas Quintas, Cabeças do Reguengo, Casa da Urra, Folha do Meio e Alto da Capela, Herdade da Malhadinha Nova, Howard's Folly, Monte da Penha, Monte do João Martins, Pupa Vinhos, Quinta da Fonte Souto, Quinta das Toroas, Reguengo do Sousão, Reynold's Wine Growers, Souto Escuro, Susana Esteban, Tapada do Chaves e Vinhos Sericaia. Abençoado país que ainda tem produtores desconhecidos para quem escreve sobre vinhos há décadas.
A entrada no evento, cujo horário será das 18h às 22h na sexta-feira e das 16h às 21h no sábado, custa 3 euros por um dia ou 5 euros nos dois dias, com direito a copo e a entradas gratuitas nos museus municipais de Portalegre.